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A ciência de tirar a vida

CNE

Foi noticiado na última semana que um artigo publicado na revista científica Journal of Medical Ethics defende que o infanticídio pode ser considerado legítimo. A «lógica» do argumento é a seguinte: se o aborto é considerado legítimo por envolver uma vida que ainda não tem autonomia ou desenvolvimento moral, não há razão para considerar que o recém-nascido é diferente do feto abortado.

Como seria de esperar, a publicação e a divulgação deste artigo geraram enorme debate. Este debate foi aceso, inflamado e, como é mostrado pelos editores da revista, nem sempre dirigido nos termos mais próprios. Na verdade, o excesso de zelo levou a que alguns supostos defensores da vida tenham dirigido ameaças de morte aos autores do artigo, o que resulta num evidente paradoxo.
Os editores do Journal of Medical Ethics, por seu lado, resolveram defender-se, publicando justificações editoriais e tentando explicar por que motivo não deixaram de publicar o artigo. A exposição que fazem é bastante falaciosa e ilustrativa do que pode ser visto como a prestação de um péssimo serviço ao Conhecimento e à Ciência. Defendem os editores, em primeiro lugar, que o aborto e o infanticídio são praticados em vários países. Como é evidente, este argumento não é justificativo seja do que for, já que não passa de um nivelamento pela negativa. Infelizmente, sabemos que os países em que há violações elementares dos direitos humanos são a maioria e tal não justifica essas práticas. Em segundo lugar, os editores da revista afirmam que a novidade do artigo resiste na inclusão de indicadores sociais como critério justificativo do infanticídio – até aqui apenas motivos médicos o justificariam. Este artigo introduz a identidade moral entre fetos e recém-nascidos como fator adicional a considerar. Diz o editor que não concorda, mas que deve haver discussão. Finalmente, de acordo com os responsáveis pela revista, o artigo passou os mecanismos normais de escrutínio (a avaliação por pares) e não teria sido publicado se estivesse fundado em premissas erradas. Estes dois últimos considerandos dos editores da revista parecem-me merecer discussão mais séria, porque pode parecer menos óbvio que se esteja a defender o indefensável.
Qualquer atividade científica visa (ou deve visar) o aprofundamento do conhecimento. Para alguns cientistas – os homens de Fé, a ciência pode ser encarada como um instrumento para melhor entendimento da obra de Deus. Para outros, será apenas uma porta para uma melhor interpretação da realidade que os rodeia. Para todos deverá ser, sem dúvida, uma atividade cuja concretização se enquadra em princípios de atuação respeitáveis. Essa respeitabilidade advém, em grande parte, do estabelecimento tácito ou explícito de fronteiras éticas para a formulação de questões ou para as metodologias adotadas. Aqui reside a principal falácia do artigo de que falamos: justificar o infanticídio em função da identidade moral entre um feto e um recém-nascido é admitir que não há limites éticos para tirar a vida a outro. O idoso senil, o adulto com um qualquer tipo de perturbação, todo o que não tem um nível de desenvolvimento ou autonomia moral considerados standard por qualquer tipo de padrão vê a sua morte legitimada. Avança-se do feto para o recém-nascido. Está-se a um passo do idoso ou do vegetal. Com pouco esforço, percebe-se que não há diferença assim tão radical entre o recém-nascido e a criança de dois anos. Qual é o limite? Ao contrário do que é afirmado pelo editor da revista, este artigo assenta numa premissa errada – a de que, em qualquer tipo de circunstância, é legítimo tirar a vida a alguém. Para nós, isto é claro. A vida é dom de Deus. É uma dádiva inalienável e atentar contra ela é inaceitável. Para outros, poderá ser menos clara a origem da premissa, mas muito mal está a sociedade quando o cunho cristão está de tal forma apagado que a preservação da vida deixa de ser valor comum. Há, portanto, uma premissa errada sobre a qual o novo argumento é construído – o erro da premissa torna o argumento imerecedor de discussão.
Atribui-se a Einstein a frase “A ciência sem religião é coxa e a religião sem ciência é cega.” É preciso entendermos que dizer que algo é científico, como este artigo, não significa dizer que é válido. Ao formarmos jovens para a vida, temos de os fazer entender que o conhecimento científico não é uma dimensão independente da matriz moral por que regemos a nossa existência. A Ciência só ganha sentido se servir a Verdade. Como é da Verdade que nasce a vida, não é credível, nem sério este artigo que, sob capa de cientificidade, argumenta pela legitimidade de tirar a vida.

João Costa (Chefe Regional)

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13 de Março de 2012