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O Caráter

CNE

Tive há tempos uma discussão acesa com um jovem que não se preocupava por ter copiado um trabalho da Internet sem citar as fontes, porque a professora não o tinha apanhado e porque há muitos que fazem o mesmo. Achei preocupante esta conceção de que o comportamento errado é legitimado pela má atuação dos outros e de que só é errado se for identificado como tal por uma autoridade. Havia ali uma falha de caráter.

Educar para o caráter é proporcionar aos indivíduos a possibilidade de atingirem níveis superiores de desenvolvimento moral. O psicólogo Kohlberg, nos anos 70, apresentou de forma esquemática e clara um conjunto de estádios de desenvolvimento que um indivíduo atravessa no seu crescimento moral. Nos níveis mais baixos, próximos da animalidade, temos a atuação por mero instinto, em que toda a ação se rege para satisfação de necessidades próprias. Atua assim o bebé que chora porque tem fome – não se preocupando com o facto de estar a acordar toda a família, mas também o ladrão que tem fome e rouba – não se preocupando com o facto de estar a desrespeitar o outro. Evoluir em caráter, atingir patamares superiores de desenvolvimento moral, pressupõe agir também em função do outro, mas acima de tudo em respeito pelo outro. Nos níveis mais altos de desenvolvimento moral, o indivíduo reconhece que a sua atuação é regulada pela necessidade de cumprir com contratos sociais que asseguram a manutenção da ordem. O patamar mais alto é aquele em que a ação se rege por princípios éticos universais. Para se perceber esta diferença, talvez seja útil recorrer a um exemplo. Para nós, cristãos, e felizmente para a maioria das pessoas, não é necessário que haja leis que postulam que o homicídio é crime. Nós não matamos, não porque a lei o proíba, mas sim porque sabemos que não há nada mais digno do que a vida humana. Vê-se, assim, que é fundamental que haja uma matriz enquadradora das ações. Se não houver um modelo que reja o que são os tais princípios éticos universais, a matriz desaparece e pode entrar-se no relativismo ditador de que o Santo Padre já falou – afeto a tendências circunstanciais ou a meros instrumentos legislativos. Ao educar para o caráter, o CNE pretende oferecer um percurso de desenvolvimento moral enquadrado na matriz dos valores cristãos. Inequivocamente, ao educar para Cristo, educa-se para a primazia da honra e do respeito pelo outro.
Para que este caminho seja trilhado, o CNE dá ao escuteiro autonomia e responsabilidade. Autonomia, porque o caminho da honra implica o trilhar de caminho pelo próprio pé. Se eu não tiver a oportunidade de fazer escolhas, estou a tornar-me em alguém que simplesmente segue direções sem saber porquê. Nesse caso, o caminho é imposto externamente e não assumido. Se não for assumido, não é vivido nem interiorizado. Responsabilidade, porque a tomada de opções envolve ser capaz de responder por elas e, acima de tudo, perseverar. A pressão social para a escolha de caminhos alternativos é imensa e é preciso sermos apelado a responder pelo caminho que escolhemos. Finalmente, o CNE abre portas para um caminho de coerência. Todo o método escutista nasce da Lei do Escuta, que oferece um conjunto de princípios estruturantes. O pior serviço que podemos prestar a um jovem em formação é pô-lo a papaguear leis e princípios, sem lhe propor que o seu dia-a-dia seja vivido em coerência com as regras que enuncia.
Atuamos junto do jovem, propondo-lhe um grupo de amigos que se rege pela mesma matriz de valores. Apresentamos aos jovens a boa ação diária como oportunidade de crescimento e, sobretudo, acompanhamos a vivência dos escuteiros. O dirigente do CNE não é um animador que ocupa os tempos livres dos seus escuteiros ao sábado. Impõe-se, muitas vezes, como o adulto que quer saber as notas dos escuteiros, que penaliza os maus comportamentos na escola, e que o ajuda a traçar caminhos para a promoção de melhores comportamentos e atitudes em todas as dimensões da sua vida.
É impossível um movimento educativo cristão não trabalhar valores. Ao fazê-lo, estamos a colaborar para o desenvolvimento moral, porque estamos a apresentar os princípios éticos universais fundamentais para esse desenvolvimento. A facilidade para o dirigente é que não tem de inventar esses princípios – eles são-nos dados por Cristo.

João Costa (Chefe Regional)

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28 de Janeiro de 2012