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III Catequese Quaresmal (texto integral)

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No passado dia 28 de Fevereiro realizou-se a III Catequese Quaresmal de D. José Ornelas, na Sé de Setúbal. Fica aqui o texto integral.

III
O Samaritano Misericordioso
(Lc 10,25-37)

Introdução

Nesta terceira reflexão de quaresma, continuamos a centrar a nossa atenção na revelação do Coração misericordioso de Deus em Jesus de Nazaré, na sua palavra e nos seus gestos. No domingo passado fixámos o olhar na figura do Pai misericordioso, que nunca se conforma com a perda de um só dos seus filhos/as e faz festa cada vez que um deles regressa a casa. Com esta parábola, Jesus convidava-nos a entender que, para aliviar os males e curar as feridas causadas pelo afastamento, pela ilusão, a insensatez e a maldade, é necessário que os outros membros da família social, eclesial e humana se unam ao acolhimento e à alegria do Pai. É necessário que além do pai, também os outros irmãos e irmãs sejam capazes de acolher e fazer festas com aqueles que foram vítimas de si próprios ou de outrem.

Hoje, tomamos como centro da nossa meditação uma outra parábola de Jesus – a parábola do samaritano misericordioso (Lc 10,25-37) – que nos fala precisamente do modo como a misericórdia de Deus continua a transformar o mundo por obra daquelas pessoas que são tocadas pelo amor de Deus e se tornam, também elas, misericordiosas para com todos os que precisam de atenção, de ajuda, de carinho.

Neste domingo, no qual se conclui a semana de apoio à Caritas, esta parábola, de um perfil eminentemente prático, soa como apelo a dar frutos de misericórdia, de solidariedade e de proximidade para com aqueles que as circunstâncias da vida deixaram à beira da estrada.


1. Para entender a parábola

No Evangelho de S. Lucas, que, mais do que os outros Evangelhos, realça a misericórdia de Jesus para com os pobres, os pecadores e os infelizes de toda a espécie, esta parábola insere-se num contexto de tensão com os ambientes religiosos do tempo. Deste confronto, vai emergindo um novo perfil do discípulo, no seu relacionamento com Deus e com as outras pessoas.

É nesse contexto de tensão e desafio que se aproxima de Jesus um dos mestres da lei e lhe coloca uma questão “para o pôr à prova”, perguntando “o que é necessário para herdar a vida eterna”. A questão não soa, de facto, como um honesto pedido de esclarecimento, mas como pretexto para uma discussão teórica sobre questões religiosas, onde estes mestres se sentiam à vontade e onde poderiam contestar Jesus. Do seu lado, Jesus não está interessado em entrar em discussões estéreis e conduz o diálogo para um ponto em que ambos se encontram de acordo: O amor a Deus e ao amor do próximo sintetiza o comportamento correto do crente. É esse o caminho para a vida eterna.

O mestre da lei, “querendo justificar a primeira pergunta”, insiste ainda na mesma linha de discussão académica, pretendendo de Jesus uma posição sobre quem entra na categoria de “próximo”: “quem é o meu próximo?”. Esta segunda pergunta constitui a base de compreensão da parábola. No tempo de Jesus, de facto, faziam-se muitas discussões sobre a forma de olhar os outros, do ponto de vista familiar, social e religioso: irmãos (de família, origem ou religião), estrangeiros, ou inimigos. Neste contexto, quem é o objeto deste mandamento fundamental de amar o próximo? Até que categoria se estende o mandamento do amor?

Jesus continua a não manifestar interesse por este tipo de discussões sobre religião e salvação. Às duas perguntas do mestre da lei, responde, pois, com duas perguntas diretas. À primeira questão, sobre o caminho da Vida –  “que hei de fazer para herdar a vida eterna?” – Jesus responde perguntando, por sua vez sobre aquilo que diz a Palavra de Deus, pois é ela que indica o caminho da Vida. O letrado tem uma resposta pronta e correta, com a qual Jesus concorda plenamente. O caminho da vida consiste em amar a Deus e ao próximo: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”. A parábola parte desta compreensão unânime, na tradição de Israel, na qual Jesus se insere. O amor é o resumo e o centro de qualquer opção religiosa.

A segunda pergunta coloca a questão da abrangência do amor e é ela que dá o mote à parábola. Até onde se estende o mandamento do amor? Nos Evangelhos, Jesus trata várias vezes deste tema, com expressões muito claras sobre a abrangência e a intensidade do amor: “Se amais apenas aqueles que vos amam, que recompensa tereis?” (Mt 5,46); “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor, do aquele que dá a vida por aqueles que ama” (Jo 15,12s). A parábola é realmente uma resposta aberta à questão dos limites do amor, mas não traça a fronteira até onde tem de chegar. Apresenta um exemplo desafiador, deixando que cada ouvinte ou leitor encontre, no próprio coração, à luz da palavra de Deus, a identificação do seu “próximo”: “Vai e faz tu também o mesmo”. Deste modo, Jesus pretende guiar-nos da discussão para a vida, estabelecendo uma chave de leitura dos acontecimentos e de empenhamento concreto na transformação do mundo.

É a esta luz que vamos percorrer a parábola, aceitando o desafio de que ela nos propõe.


2. Um homem à beira da estrada

A parábola começa com a apresentação de “um homem”, vítima da violência, ferido, incapaz de sair sozinho da situação em  que se encontra, pois foi abandonado “meio morto”. Não tem nome nem rosto e não se dá nenhum detalhe da sua origem, condição social ou credo. O que é posto em evidência é apenas a sua carência, a sua incapacidade e o perigo de morte. Esta falta de individualização é o primeiro traço da resposta à questão do mestre da lei. O critério fundamental para determinar quem é o próximo, em termos de atenção e de ação, não provém de nenhuma lei, de nenhum raciocínio moral ou religioso, mas da situação da pessoa. Particularmente as situações de dor, de injustiça, de perda de dignidade e de abandono constituem pontos particulares a pedir atenção, interesse e carinho.

Este homem ficou sem os seus “próximos” naturais, se é que os tinha: familiares, amigos, conhecidos ou protetores… serviços de emergência, sindicato, proteção civil, polícia… É um homem só, que não tem quem lhe estenda a mão, quem grite por ele, quem defenda os seus direitos e a sua dignidade. Esta é a situação em que se encontram tantas pessoas, para não falar de grupos humanos, cidades e países inteiros, vítimas de injustiças, de guerras, de catástrofes naturais. Basta abrir os olhos à nossa volta para encontrar pessoas fragilizadas, talvez mesmo nas nossas casas, nas ruas das nossas cidades, nos hospitais, casas de recuperação ou prisões.

No contexto da parábola, o homem à beira da estrada passa para o centro. As perguntas do letrado versavam sobre o que fazer para herdar a vida eterna e sobre a abrangência do “próximo”. Está interessado na sua própria situação e no seu futuro. A parábola dirige a sua atenção para fora dele, para o homem ferido e abandonado, que surge no caminho da resposta às perguntas do doutor. Na parábola, Jesus não faz grandes discursos teológicos, mas deixa perguntas e indicações. Este homem concreto e desconhecido, ferido e meio morto, tem de ser visto e considerado em relação com o que entendemos como “próximo” e com a “vida eterna”. Estes não podem ser assuntos distintos, separados. Não se pode abstrair desta realidade que salta à vista: à beira da estrada da vida, há um homem, caído, ferido, meio morto. Há milhões deles… e isso diz-nos respeito e requer uma atitude concreta.

Além disso, hoje, a questão do “próximo” apresenta-se de um modo novo. Basta abrir as nossas televisões, para que os problemas longínquos se tornem próximos, não só pela imediatez das imagens que dão conta dos dramas de todo o mundo, mas também pelas consequências globais que eles podem ter e igualmente pelas possibilidades de encontrar respostas, também a nível global. Ninguém pode dizer que não viu e que não sabia. Todos “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”, como dizia uma nossa poetisa. Estas pessoas à beira da estrada dificilmente conseguem levar a vida sozinhas. Mesmo sem proferir palavra, fazem apelo a alguém que tenha coração, a alguém que seja o seu próximo, independentemente da distância a que se encontre, da sua raça, nacionalidade ou credo.


3. Fechar ou abrir os olhos

Esse homem sem nome nem rosto, é a imagem do sofrimento, dos problemas, da dor e da injustiça que estão por toda a parte. Estes não são simples estatísticas ou conceitos, mas pessoas que sofrem. Vamos ao encontro deles abrindo os olhos e o coração, ou vamos encontrar desvios e desculpas para manter indisturbado o nosso percurso individual, a nossa agenda privada, a nossa salvação individual? Entramos na lógica do “salve-se quem puder e lixem-se os outros”, ou encontramos salva-vidas para todos?

O sacerdote e o levita viram e passaram “do outro lado” da estrada. Não se dá nenhuma razão para o facto, mas, no contexto da parábola, estas figuras assumem um perfil muito específico. Sacerdotes e levitas são aqueles que estão especialmente ligados ao serviço religioso no templo. Teria sido por medo de serem atacados também eles, pela pressa de chegar e fazer qualquer coisas urgente, simplesmente por comodismo?… Pode ser qualquer destas razões e possivelmente válida, mas o que a parábola sublinha é que eram pessoas ligadas ao culto, ao serviço de Deus e, no entanto, não tiveram coração para com o homem caído à beira da estrada, apesar de terem visto a sua situação.

Sem comentários explícitos, esta dicotomia entre um comportamento religioso público e a situação do homem sofredor encontra-se nos antípodas da figura do samaritano que Jesus propõe. Bem na linha do discurso dos profetas, Jesus denuncia o escândalo de qualquer sistema religioso instalado e institucionalizado, que pretenda ser agradável a Deus e que ignore tranquilamente os pobres, os deserdados, os que sofrem. Esta denúncia não tem nada de ideológico ou de luta de classes, mas alicerça-se na própria compreensão de Deus. Desde sempre Deus se apresenta como o defensor dos que sofrem: pede contas do sangue do irmão derramado por Caim; ouve o grito do povo escravo no Egito, conhece a sua dor e vem libertá-lo; faz-se protetor do órfão e defensor da viúva; humilha os poderosos e exalta os pequenos e envia o seu filho para anunciar a Boa Nova aos pobres. Que aqueles que dizem crentes e, mais ainda, servidores privilegiados da sua presença, como este sacerdotes e este levita, esqueçam esta dimensão fundamental da fé, é algo que contrasta abertamente com o coração de Deus.

Mas esta não é apenas uma crítica do passado. É importante, a esta luz, descortinar, em nós e à nossa volta, inclusivamente na nossa Igreja, este tipo de comportamento de indiferença e de fechamento nos nossos interesses, problemas e programas, sem abertura àqueles que ficam à beira da estrada. De algum modo, todos podemos encarnar, por vezes, a figura desses sacerdotes de uma espiritualidade desencarnada e preocupada com os ritos, as vestes, o decoro dos cargos que se exercem, mas vazia de vida e de amor; dos gurus de uma economia do lucro, do descarte e da indiferença, perante as vítimas que ela própria provoca e abandona pelo caminho; dos profetas do medo que cerra as fronteiras às vítimas indefesas das guerras e do terrorismo; dos arautos da propaganda de um comodismo que passa do outro lado dos problemas, para não ter que pensar, implicar-se e comprometer-se… O elenco seria longo para mencionar tantas formas espontaneamente comodistas ou astutamente orquestradas, que deixam sempre à beira da estrada os mais débeis e feridos.

A reação do terceiro passante contrasta, de modo gritante, com a atitude destes líderes. Este era um samaritano, o que o colocava, desde logo, em posição de afastamento social e religioso, em relação à mentalidade vigente em Israel. Além disso, “estava de viagem”, o que significa que não era dali. Era, pois, segundo os critérios da conveniência e do senso comum, o menos indicado para se ocupar do homem caído à beira da estrada, numa terra estrangeira e não particularmente amigável. Mas ele não se deteve em considerações. A sequência dos verbos descreve realmente o que significa a solidariedade: viu… sentiu compaixão… aproximou-se… enfaixou-lhe as feridas, aplicando azeite e vinho… colocou-o sobre a sua montada… levou-o à estalagem… cuidou dele, pagou as despesas e assegurou a continuação dos tratamentos até ao seu restabelecimento.

Tudo, nesta descrição, fala de uma atitude nova, ativa, comprometida, libertadora, luminosa, reconfortante. Decisivos são os primeiros verbos: “vendo-o, encheu-se de compaixão, aproximou-se…”. Que contraste com o “vendo-o, passou do outro lado”, dos dois personagens anteriores! Este “ver” não descreve um simples fenómeno óptico, mas uma atitude de atenção de interesse, de empatia, que é continuada por um profundo estado de alma, a “com-paixão”, (sentir a paixão/dor com o outro) ou misericórdia (um coração para o mísero). Estes não são sentimentos que geram apenas emoções de comiseração piedosa e simpatia distante. São atitudes profundas, que se traduzem em movimento “aproximou-se” e em ações concretas de afeto, cuidado eficaz, misericórdia ativa.

Se é verdade que encontramos tantos sacerdotes da indiferença, do egoísmo e da manipulação, é reconfortante e gerador de esperança verificar quantos samaritanos cada um de nós encontrou ao longo da vida que, livremente e com generosidade, nos estenderam a mão da amizade, do apoio, da ajuda. Quantos conhecemos que se colocam voluntariamente ao serviço dos mais necessitados: os que cuidam daqueles que não se bastam a si mesmos, nas próprias casas, hospitais, casas da terceira idade; os que auxiliam os desempregados e os que não dispõem dos meios de subsistência; os que estendem a mão amiga aos que erraram e acabaram na prisão ou aos que procuram libertar-se das cadeias do álcool e da droga; os missionários/as, consagrados e leigos, que deixam a proximidade geográfica e cultural, para atender às periferias, levando a Boa Nova aos pobres; os que cuidam dos refugiados, tantas vezes com risco da própria vida… São um grande exército de samaritanos, arautos de esperança, construtores do futuro da humanidade.

No dia em que concluímos a semana da CARITAS, é grato chamar a atenção para esta e tantas outras instituições samaritanas da nossa sociedade e da nossa Igreja, como os centros paroquiais, as obras de institutos religiosos e organizações sociais, de caráter religioso ou civil. É grato constatar este exército de boa vontade, constituído por pessoas de todas as condições sociais, que colocam o próprio tempo, capacidades e saber ao serviço daqueles que precisam. Bem hajam! São o que de mais nobre tem a nossa sociedade, uma reserva de esperança para o futuro.


4. Vai e faz tu também o mesmo

Voltando à parábola: Depois da comparação dos dois comportamentos, a pergunta de Jesus retoma ainda o estilo pessoal e concreto, sem entrar em discussões inúteis: “Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?” A resposta do mestre da lei também é evidente apontando a atitude do samaritano como aquele que tinha entendido o que quer dizer ser “próximo”. Do seu lado, Jesus conclui não com um princípio dogmático, mas com um desafio à ação: “Vai e faz tu também o mesmo”.

Na realidade, Jesus inverte a perspetiva do doutor a partir da lógica da parábola. Ele tinha começado por perguntar “Quem é o meu próximo?” Agora, Jesus faz-lhe compreender que o importante é decidir de quem nos tornamos próximos: “qual dos três foi o próximo daquele homem?”. A proximidade da solidariedade não é dada, não é estática, nem definida por decreto, pelo bilhete de identidade, pela inscrição na Igreja, ou pelo GPS. A proximidade solidária é uma atitude dinâmica de sair de si e de ir ao encontro dos outros, guiados pela bússola da solidariedade com quem precisa.

E, também este não um princípio teórico, mas um convite à ação. O “Vai e faz o mesmo” dirige-se ao escriba, mas igualmente a todos os ouvintes e leitores da parábola. Há que decidir muito simplesmente que atitude assumir. Uma hipótese é passar indiferente pela estrada da vida ou fechar-se comodamente na própria realidade, evitando encarar a realidade dura e cruel de tanta gente que vai ficando à margem do caminho. Outra é não fazer desvios nem fechar as portas, mas abrir-se, aproximar-se, envolver-se, sem “mas”, nem “porquês” que não sejam a dor dos outros.

A indicação de Jesus é clara: os que escutam a sua voz e seguem os seus passos são gente que não se abstém, não se fecha, não se poupa. É gente que sente como seus os problemas do mundo, próximos ou distantes. É gente que vive apaixonadamente os dramas dos mais pequenos, sente as feridas dos que sofrem violência e injustiça e se decide a colocar-se solidariamente ao seu lado, para construir um mundo melhor para todos.


5. Uma revolução do pensamento e da ação

Para concluir, gostaria de mencionar apenas alguns traços da revolução evangélica que esta parábola propõe, a exemplo da vida do Senhor Jesus. O texto não o diz, mas, na tradição da Igreja, ninguém encarnou a figura do samaritano como o próprio Jesus, Samaritano misericordioso da humanidade. Ele veio de fora para o nosso mundo e fez-se próximo, um de nós, ao nosso lado. Partilhou as nossas dores e fraquezas, “pagou” a conta da nossa cura, a preço da própria vida, colocou-nos na estalagem e recomendou aos irmãos se ocupem a sarar as feridas uns dos outros, pois também a eles pagará por isso… assegurou-se que ficássemos verdadeiramente curados e com acesso à vida que não acaba. Essa era a preocupação individual do doutor da lei, que agora tem uma resposta na pessoa de Jesus e passa através de uma comunidade. Quando diz “Faz tu também o mesmo!”, Jesus apresenta-se, ele próprio, como modelo de ação, especialmente para a sua comunidade. As questões do pão, da dor, da justiça, do amor… da salvação nunca são simplesmente individuais. Em tudo isto, ou encontramos caminho juntos ou ficamos fechados em becos sem saída.

A esta luz, o primeira atitude indicada pela parábola soa como um apelo a despertar. Não podemos fingir que não vemos ou que não sabemos. Não se pode ficar indiferente. Um discípulo de Jesus Cristo não pode assistir impávido ao espetáculo de miséria, de injustiça, de degradação humana. Foi para se tornar próximo dessas pessoas que Ele veio ao mundo e espera que nós continuemos essa presença de proximidade solidária.

O cristão não pode deixar de ser um samaritano da compaixão, da ternura, da misericórdia. Não é possível ser amigo de Deus sem ser solidário com o homem ferido e abandonado. Os dramas dos homens, de perto ou de longe, são assuntos nossos, individualmente, como comunidade paroquial e diocesana, como Igreja. A adesão ao Evangelho torna-nos ativos na busca da justiça, da dignidade e da esperança. A salvação, a herança da Vida eterna, que buscava o doutor da lei, não se limita a este mundo, mesmo que ele fosse o mais justo, o mais solidário, o mais harmónico. Aquilo que Deus quer oferecer-nos é bem mais do que isso, é a participação na plenitude da sua vida e da sua felicidade. Mas, por outro lado, essa felicidade e esse projeto de Deus que se expandem até à eternidade, começam aqui e devem ser construídos com a participação de todos. Fizemos a experiência do amor de Deus, da sua grandiosa generosidade e bondade, da sua misericórdia para com a nossa fragilidade e o nosso pecado. Por isso aprendemos também nós a linguagem e os gestos da misericórdia.

Em Jesus Cristo, descobrimos o verdadeiro Samaritano da humanidade. Ele é esse viajante que veio de longe, mas que se tornou próximo da humanidade ferida e incapaz de vida. Ele carregou-nos misericordiosamente às costas e ensinou-nos o valor da solidariedade até ao dom da vida. Com Ele e na força do seu Espírito, aprendemos o que quer dizer fraternidade e empenhamo-nos, ao lado dos feridos, excluídos e esquecidos, na construção de um mundo mais justo e solidário.

Acolhemos a mensagem universal do samaritano que deita por terra preconceitos étnicos, nacionais, culturais ou religiosos. Quando se trata do sofrimento, de justiça e de dignidade, não fazemos distinções que dividem, mas sentimos o apelo do irmão ou irmã que sofrem e cujo grito chega aos ouvidos e ao coração de Deus. Sem renunciar à nossa fé, sentimo-nos igualmente unidos e colaboramos, com gosto, com quantos sentem o apelo da solidariedade e da misericórdia, mesmo que tenham outro modo de pensar, pois sabemos que, apenas em conjunto podemos construir um mundo mais justo, humano e solidário, a casa comum da humanidade.

É com estes sentimentos que vos convido a fazer uns momentos de silêncio, de modo que deixemos penetrar bem fundo no nosso coração e levemos para a nossa vida o desafio que o Senhor hoje nos faz:

 

Vai e faz tu também o mesmo!


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29 de Fevereiro de 2016