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Igreja, Família de Famílias

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O Santuário de Cristo Rei recebeu, no passado Domingo, dia 02 de abril, a última Catequese Quaresmal do ano de 2017, do Bispo de Setúbal, D. José Ornelas. Dedicada ao tema “Igreja, Família de Famílias”, a catequese encerrou o Dia Diocesano da Família: “Um olhar ao encontro de outras famílias que formam as comunidades paroquiais”.

Clique na imagem abaixo para ver o vídeo com a gravação da catequese.

 

 

Igreja, Família de Famílias

Nas três catequeses anteriores, tivemos ocasião de refletir sobre a família a partir de diversas perspetivas: primeiro, como berço da vida e da humanização, em seguida como escola de amor e de crescimento e, na última, como Igreja doméstica. Para concluir esta Festa diocesana da Família, alargamos o olhar à volta das nossas casas e dos nossos quintais, ao encontro de outras famílias, que formam as nossas comunidades paroquiais e os nossos grupos de proximidade, que se sentem parte da igreja diocesana e universal, que participam na construção de um mundo mais humanizado, segundo o projeto de Deus: uma família de famílias.

Na base deste alargamento de horizontes, encontra-se cada uma das nossas famílias. A visão, por um lado concreta e localizada e, por outro, alargada às dimensões do mundo e do coração de Deus, é o que pode evitar dois perigos: que nos fechemos na realidade cómoda ou temerosa da nossa casa e que evitemos igualmente a massificação despersonalizadora e o domínio dos grandes centros de poder, que acabam por impor o seu domínio aos mais fracos.

Na realidade eclesial, esta dupla atenção é particularmente importante. No domingo passado, acentuámos justamente a importância da família no despertar, experienciar e anunciar a fé, mas fomos abrindo as perspetivas desta célula fundamental da vida humana e cristã às dimensões da comunidade eclesial e da missão universal, sem o qual ela não corresponde ao projeto do Evangelho.

É com esta visão da universalidade do destino da família que queremos concluir este ciclo das nossas reflexões de quaresma deste ano. Vou articular esta reflexão em três pontos:

1.           Do “eu” ao “nós” até abraçar toda a humanidade

2.           Uma Igreja-Família: meu Irmão, minha Irmã, minha Mãe

3.           Irmãs e irmãos, ao serviço da grande Família de Deus

 

1.      Do “eu ao “nós” até abraçar toda a humanidade

Como vimos nas reflexões anteriores, a lógica de humanização que leva à formação da família está inscrita na própria realidade do ser humano, segundo o projeto de Deus: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18); “serão os dois um só ser” (Gn 2,24). Esse é o primeiro círculo da passagem do “eu” ao “nós”, marcado pela atração natural do eros e humanizado pela ternura e pelo amor do casas, que constitui, na sua dual complementaridade, a imagem de Deus em forma humana.

Como já refletimos anteriormente, não basta a força de atração do eros para criar e desenvolver uma relação humanizante. Por vezes, essa energia converte-se em desejo de posse e de domínio do outro/a, que, em vez de amparar, acaba por dominar, explorar e destruir. A família é precisamente o espaço onde o encontro se faz com respeito, carinho e cuidado das fragilidades. Esta é a passagem humanizadora do “eu” ao “nós”, que forma a célula básica da solidariedade. De contrário, o que temos é apenas a afirmação da lei do mais forte, a lógica da seleção das espécies, em que o mais fraco é eliminado.

Por outro lado, a família não pode ficar isolada. A dinâmica do-eu-ao-nós, não termina na porta da casa familiar, de contrário, não haveria novas famílias, não haveria verdadeira cultura, sociedade, progresso. Fechada em si, a família nuclear não teria viabilidade, do mesmo modo que o bebé não subsistiria sem a família. É na abertura a outras famílias que se formam as sociedades, as culturas e os povos.

Mas é importante que ao longo deste processo de abertura relacional, não se perca o espírito inicial da família; que seja este espírito a marcar o estilo das relações sociais. Se a sociedade não se rege pela lógica da humanização, da solidariedade, do amor, do cuidado dos mais pequenos e débeis, o resultado será o domínio dos mais fortes, dos grupos de interesses económicos, estratégicos, militares e ideológicos. Vivemos num mundo que parece querer fechar-se, com barreiras cada vez mais cerradas para a passagem dos necessitados, mas onde as companhias multinacionais, os paraísos fiscais e as grandes potências atuam globalmente, como elefantes em lojas de loiça fina, sobre montanhas de corpos famintos e de lagos de sangue inocente.

É fundamental promover, apoiar e dar voz às famílias, se queremos um mundo mais humanizado, mais justo e pacífico, que defenda os direitos e a dignidade de cada ser humano. Não podemos delegar esta tarefa, nem à lógica desenfreada dos mercados, nem à planificação tendencialmente centralizadora e autoritária do poder estatal. É importante que os movimentos de cariz familiar estejam ativamente presentes e se empenhem na busca de caminhos para um futuro ecologicamente digno e sustentável, para a construção da casa comum da humanidade, na dignidade, na justiça e na paz.

 

2.      Uma Igreja-Família: meu Irmão, minha Irmã, minha Mãe

Esta lógica de sair de si ao encontro do outro, em círculos que se alargam até abraçar a humanidade inteira e abrir-se à totalidade de Deus é o que liga cada uma das nossas famílias à grande Família que é a Igreja. Na última catequese refletimos sobre a Família como Igreja doméstica ou Casa-Igreja. Considerámos como Jesus privilegia a casa, a família, para se revelar como enviado de Deus no concreto da vida humana e para apresentar o seu projeto de nova humanidade, a partir do acolhimento e cuidado das debilidades, do carinho mútuo, da reconciliação e da recepção e transmissão da fé.

Mas vimos também que Ele não se fecha num conceito de família isolada. As casas onde Ele entra abrem-se para acolher os que procuram vida e esperança, como a de Pedro em Cafarnaum (Mc 2,1ss), as de Levi ou de Zaqueu, onde Ele se faz próximo e come com os pecadores. Vimos como, particularmente após a ressurreição, a casa no andar de cima, em que se reúnem os seus, parece que explode e desce às praças e ruas, por ação do Espírito Santo, no dia de Pentecostes e se alarga a uma Casa-Família-Comunidade, que se multiplicará pelas estradas e cidades do império, na diversidade das línguas e culturas que falam os filhos e filhas de Deus espalhados pelo mundo.

O episódio da família de Jesus, que vem procura-lo para “ter mão nele”, como diz o Evangelho de Marcos (3,20-35) revela os perigos de uma família condicionadora e fechada sobre os seus próprios interesses. Jesus tinha acabado de estabelecer um grupo de discípulos, à volta dos quais, acorrem as multidões, para escutar a sua palavra e ser por Ele curados. O seu comportamento revela que ele ultrapassa os limites e o controlo da família, tradição de Israel, daquilo que “sempre se fez”. Por isso, os representantes da família-clã querem tomam providências por o considerarem “fora de si”, enquanto que os guardas da tradição (os fariseus vindos de Jerusalém) o acusam-no de ser agente do diabo, porque não segue as prescrições da autoridade religiosa. Jesus reage com clareza, mostrando, por uma lado, a prioridade do projeto de Deus – “os que fazem vontade de Deus”  que vai para além da mentalidade e interesses de cada família, clã, etnia ou cultura; e, por outro lado, os sentimentos de família – “minha mãe e meus irmãos”; maternidade e fraternidade – que Ele quer ver como fundamento dos relacionamentos dentro da sua comunidade.

De uma forma muito clara, Jesus rejeita uma ideia de família fechada, possessiva e ditadora, que quer controlar e decidir o destino dos seus membros. Esse é o modelo das famílias que não deixam crescer os filhos, que pervertem o afeto e o transforma em posse e submissão, mesmo depois de adultos, quando não se transformam em situações de violência e abuso; é o modelo das famílias mafiosas que impõem o despotismo assassino dos chefes; é o programa de todos os ditadores do mundo, que querem controlar a liberdade, o pensamento e os meios de produção, impondo-se pela força da autoridade, diabolizando e reprimindo quem quer que se lhe oponha ou pretenda apresentar alternativas. Esse é também o modelo da “ditadura da maternidade”, que se julga com o direito a suprimir a vida no seio materno, porque, “a minha barriga mando eu”. É a lógica do “cultural e politicamente correto”, que ridiculariza e exclui quem é diferente e estrangeiro; da economia que, em nome do proveito e do lucro da “família-empresa”, explora os trabalhadores, açambarca recursos,  dá cabo do mundo que a todos pertence e deixa na miséria milhões de famílias. Tudo isto é a lógica de um conceito de socialização da família-como poder e negócio. Na realidade, não se trata de família, mas da eterna lógica do poder que instrumentaliza os outros para fazer prevalecer, para dentro e para fora, a vontade despótica e utilitarista do mais forte.

Jesus tem outro projeto: Antes de mais, Ele não rejeita a sua família, em nome de uma vontade tirânica de Deus. Ele defende o verdadeiro sentido e a verdadeira vocação da família – da sua e daquela que pretende criar – tendo como horizonte a paternidade/maternidade do Pai do céu, que torna possível a integração de cada família na grande família humana, de que a Igreja – “os que estavam sentados à volta dele” – é semente e anúncio.

O dinamismo da casa e das casas de Jesus, de que falámos na reflexão precedente, ensina-nos a ver a Igreja desta forma aberta e dinâmica. Não queremos uma Igreja fechada (nem sequer igrejas fechadas!). O Espírito Santo abriu, de par em par e definitivamente, as portas desta casa – a Igreja – ao mundo, à praça, ao caminho; sem medos, sem comodismos, sem parcerias comprometedoras e sem enleamentos de conveniência e de poder. Queremos a nossa Igreja como casa que acolhe, que cura, que dá o calor da fraternidade, mas, ao mesmo tempo, que seja sempre peregrina e missionária. Não vamos à conquista de nada e de ninguém, mas temos um tesouro para oferecer, uma mensagem para propor, um boa notícia para anunciar. Esta é a nossa Casa-Igreja, nossa Mãe: de portas abertas para acolher quem chega e para partir à procura daqueles que ainda não a descobriram, dos que andam isolados, perdidos, feridos e sem meios nem perspetivas de vida. Esta é a casa e a família que queremos que seja a nossa Igreja de Setúbal.

Deste modo, Jesus leva o espírito de família para dentro da sua comunidade, chamando “mãe, irmão e irmã” àqueles que estão à sua volta e escutam a sua palavra. Ele não quer simplesmente uma igreja eficiente, um supermercado da religião bem fornecido de práticas piedosas, uma avassaladora máquina de propaganda religiosa, um exército para a conquista do mundo ou para a imposição do seu “Reino”. Convida, pelo contrário, a aprender a cuidar uns dos outros e a olhar para a comunidade como uma família alargada, como uma família de famílias.

Duas figuras caraterizam o projeto de “Igreja-Família” de Jesus: a Mãe e o Irmão/ã. Em primeiro lugar, Jesus pensa a sua comunidade – certamente à imagem da sua experiência com a sua mãe Maria – como uma mãe carinhosa, acolhedora e fecunda, que recebe com disponibilidade reverente o dom dos filhos, os alimenta, educa e lança na vida. Compete a nós todos, particularmente àqueles que têm papéis de liderança e coordenação, transmitir essa imagem da própria comunidade, tanto portas adentro, como na projeção para fora, no anúncio do Evangelho. A função materna tem certamente a missão de transmitir a vida, de educar, corrigir e orientar, mas, como dizíamos da família, tem sobretudo de ser carinhosa, estimulante e criativa, promovendo a expressão e a liberdade dos seus membros, reconhecendo que Deus concedeu a cada um dons próprios para a construção da comunidade e do mundo. A exemplo da ação do próprio Jesus, a maternidade das nossas comunidades revela-se sobretudo no cuidado dos mais débeis, dos que andam feridos e afastados, dos que erram e precisam mais de um coração misericordioso de mãe do que dos dedos afiados de juízes.

A figura de Maria acompanha e inspira constantemente o estilo materno da Igreja. Ela revela-se como mãe terna e forte no acolhimento, defesa e amparo do seu Filho, conservando no coração as suas atitudes e palavras. Ela convida, particularmente os que estão ao serviço das comunidades, como nas bodas de Caná, a assumir atitudes de sensibilidade fraterna a exemplo de Jesus: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Permanece fiel a Jesus até à cruz, identificando-se com o dom que Ele faz da sua vida. Aos pés da cruz, vê alargar-se a sua maternidade à Igreja representada pelo discípulo João: “Mulher, eis aí o teu Filho… filho, eis aí a tua mãe” (Jo 19,26s,). Por isso, como mãe que ensina os seus pequeninos, ela ensina os discípulos, rezando com eles, após a ressurreição de Jesus (Act 1,14), transmitindo-lhes a atitude de escuta e disponibilidade com que respondeu ao anjo: “Eis a serva do Senhor; cumpra-se em mim a tua vontade” (Lc 1,38). Ela revela-se, no Pentecostes, como Mãe, de novo visitada pela luz e a chama do Espírito, que se torna dinamismo de missão e gera novos filhos e filhas em todo o mundo. Esta é a imagem materna que nós queremos aprender de Maria: acolhedora de Deus e dos homens, dinâmica e corajosa, aberta às dimensões do mundo, para ser realmente família de Deus na terra.

A segunda figura do projeto de Igreja de Jesus é a do irmão/irmã. É uma consequência da maternidade da própria Igreja, que não é mais do que o reflexo da paternidade/maternidade de Deus. É esse reconhecimento do amor do Pai que Jesus transmite aos seus discípulos; Ele, o Filho do Altíssimo, que chama irmão e irmã aos que o escutam e assumem a sua própria atitude de identificação com o projeto/vontade de Deus. Jesus leva tão a sério esta “irmandade” na sua Família-Igreja que força a imagem, para que os títulos e funções nunca signifiquem a anulação da dignidade efetiva de irmãos e irmãs: “Não vos deixeis tratar por ‘mestres’, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém chameis ‘Pai’, porque um só é o vosso ‘Pai’: aquele que está no Céu. Nem permitais que vos tratem por ‘doutores’, porque um só é o vosso ‘Doutor’: Cristo” (Mt 23,9s).

Esta solene e fundamental recomendação é a base da cidadania dos membros da Igreja. Todos os títulos e papéis – papa, bispo, padre, diácono ou leigo, são funções ao serviço da família, que tem Deus como único Pai. Não alteram a importância nem a dignidade de cada membro da Igreja. Se eu não for realmente vosso irmão, nos sentimentos e nas atitudes, nunca serei vosso bispo, segundo o projeto de Jesus de Nazaré, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar vida” (Mc 10,45). Por outro lado, essa dignidade fundamenta também a responsabilidade de cada um para participar ativamente na  construção da vida desta Família-Igreja, como expressão do mandamento novo do amor, segundo o exemplo e o mandamento de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34).

Mas Jesus sabe que, também na sua comunidade, facilmente se infiltra a lógica do poder e a lei do mais forte. Por isso avisa constantemente os seus contra o perigo do carreirismo e dos jogos de poder, do velho espírito da família como grupo de interesses e manipulações, do dogmatismo e da invocação do nome de Deus para justificar a violência e a opressão: “Não pode ser assim entre vós! Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate pela multidão” (Mc 10,44s). E, contra o “eficientismo” e as manias de grandeza, coloca no centro da sua comunidade uma débil criança, abraça-a, identificando-se com ela, e declara solenemente que acolher os mais pequenos é a lei da sua comunidade e comportar-se como pequeno é a chave para entender e entrar na lógica deste novo mundo que Ele chama “Reino de Deus” (Mc 9,33-37).

É assim que voltamos ao espírito de família, como cura para grande parte dos males da Igreja. Se queremos medir o grau de fidelidade de uma comunidade cristã, verifiquemos como é que nela se exercem os cargos de liderança e como nela se cuida dos mais pequenos, não apenas das crianças, mas igualmente dos anciãos, dos doentes, dos mais pobres e discriminados, dos estrangeiros e deslocados; com que misericórdia se trata os que erram e os pecadores. Nessas cruciais manifestações de carência, que apelam ao amor e à solidariedade, é que se joga também a credibilidade e a dimensão missionária das comunidades cristãs, pois, como avisa o Senhor, “todos saberão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35).

 

3.      Irmãs e irmãos, ao serviço da grande Família de Deus

Para terminar esta reflexão, quero deter-me brevemente, no seguimento de quanto acabo de dizer, sobre aqueles e aquelas que não constituem uma família própria e consagram totalmente a sua vida a Deus, para estarem ao serviço da Igreja-Família de da Família-Humanidade.

Antes de mais, estas não são pessoas incapazes de afeto ou vítimas de frustrações amorosas. Pessoas assim, com todo o respeito e atenção que merecem, se não se curam das próprias feridas, não são indicadas para seguirem este caminho de vida. Os que consagram a vida a Deus e à comunidade também não constituem uma “elite de fanáticos” que a tudo renunciaram, incluindo a família e a vida, para estarem prontos a tudo, ao serviço de um chefe ou de uma causa, embora, à primeira vista, estas duas atitudes possam parecer semelhantes. Diria mesmo que alguém que não tenha coração de pai, não serve para ser padre; quem não tiver o amor e a ternura de mãe, não pode ser uma boa consagrada, uma autêntica missionária; definitivamente: quem não tiver coração e atitudes de irmão/irmã, nunca deve exercer funções de liderança e de responsabilidade na Igreja.

É sumamente importante que aqueles e aquelas que prescindem de formar uma família sua, por amor do Reino dos céus, tenham sentimentos e atitudes profundamente familiares. Eles não podem prescindir dos sentimentos e do amor, pois então não seriam de utilidade para o Reino. Eles e elas aprendem com o Senhor Jesus a viver em intimidade com o amor de predileção que o Pai lhes dedica, ao chamá-los ao ser serviço; a cuidar com atenção e carinho, não dos próprios filhos, mas de todos os pequenos e humildes, em particular daqueles que não têm ninguém a quem possam chamar pai, mãe ou irmão/ã; a cuidar de casas e comunidades que não chamam suas e a abrigar nelas aqueles que não têm teto e os que procuram o rosto do Pai do céu e a solidariedade de outros irmãos. Sobretudo, devem aprender a ser irmãos e irmãs, independentemente das funções que desempenhem nas comunidades. Hão de ser mestres com a vida, mais do que com os dogmas; guias com o exemplo, mais do que com as normas; solidários e misericordiosos com os que erram, mais do que seus juízes; desprendidos e pobres, para que se veja a riqueza do tesouro de humanidade e de Evangelho de que são portadores; administradores inteligentes e diligentes, na casa do seu Senhor, tendo sempre em conta que o que administram não lhes pertence, mas tendo a alegria e a liberdade de estar ao serviço da Família de Deus, que é a Igreja e a Humanidade.

Tudo isto levam como um “tesouro em vasos de barro” (2Co 4,7), pois os consagrados e as consagradas não são anjos, mas homens e mulheres de carne e osso, que vibram com o amor e a confiança que Deus neles depositou ao chamá-los, mas que tantas vezes cansam, duvidam, erram e caem, com todos os discípulos, desde o início do Evangelho. E a consciência dessa debilidade até pode ter uma perspetiva positiva: nas suas falhas hão de sentir-se mais irmãos e irmãs dos outros membros da comunidade, que também são pecadores e aprenderão a pedir e aceitar o perdão deles e a fazer a experiência do amor reconciliador e renovador do Pai do céu. Deste modo, estarão mais preparados para mediar o oferecer a reconciliação de Deus aos irmãos e irmãs, para que a Igreja-Família de Deus se renove constantemente.

São assim, com luzes e sombras, aqueles que estão ao serviço da nossa Família-Igreja de Setúbal: o vosso bispo, os vossos presbíteros, as vossas consagradas e consagrados, os leigos e famílias missionárias, que partiram por esse mundo fora em nome do Evangelho. Pelo que me toca, encontro um grande conforto e gratidão em pensar que toda esta aventura, começou, para mim, numa casa humilde e no seio de uma família com os seus problemas e diversidades, mas que se foi mantendo unida e querida, no seio da qual aprendi a conhecer a Deus e a sentir o desejo de cuidar e de acarinhar, que vi nas atitudes do meu pai, da minha mãe e dos meus irmãos e irmãs.

Dou graças a Deus por todos aqueles e aquelas que se consagraram a Deus e colocaram toda a sua vida ao serviço da sua Família, a Igreja, e que procuram ser mediadores e testemunhas do amor do Pai do céu, deixando-se iluminar e guiar pela luz do seu Espírito, seguindo as pisadas do Senhor Jesus Cristo. Dou igualmente graças a Deus por cada uma das nossas famílias, que se deixam inspirar pela família de Nazaré e partilham o amor que Deus fez surgir nos seus lares. E peço ao Senhor que suscite, do seio delas, muitos jovens que aceitem o seu convite, para serem pais, mães, irmãos e irmãs, à imagem de Cristo, na família de famílias que é a Igreja.

 

Conclusão

Concluímos assim as nossas reflexões de Quaresma, sobre o tema da família. Podemos voltar a elas, pois os textos encontram-se à vossa disposição nos canais informativos da diocese. Espero, porém, que estas provocações não fiquem simplesmente em belas palavras. Que estes dois anos que dedicamos à família constituam o alicerce para a renovação pastoral da nossa Igreja de Setúbal, a partir de cada uma das nossas famílias e possa dinamizar as comunidades paroquiais, as vigararias, os secretariados e movimentos e toda a atividade diocesana.

Espero sobretudo que esta acentuação da família nos leve a transformar cada um dos nossos lares em Igreja Doméstica, onde Deus esteja presente e renove o amor dos seus membros. Paralelamente, desejo que as famílias se abram à Família de Deus que é a Igreja, para que nela se possa desenvolver o espírito familiar, materno e fraterno, onde se sinta o perfume do cuidado e atenção para com todos, particularmente para os que mais precisam de carinho e ajuda.

 

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03 de Abril de 2017