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Mensagem de Páscoa – D. José Ornelas

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Colocada na primavera, a Páscoa, uma das mais antigas festas da humanidade, sempre exprimiu a ideia de revitalização da natureza após o inverno, do renascer da esperança, da renovação dos dinamismos essenciais da vida. Para a tradição de Israel que encontramos na Bíblia, a Páscoa foi a ocasião em que Deus revelou a sua mão libertadora, tirando o seu povo da escravidão do Egito. Desde então, passou a ser o memorial de todas as ações libertadoras de Deus ao longo da história.

Jesus celebrava anualmente esta festa central do seu povo, e foi no contexto dela que deu o maior testemunho do amor e do poder de Deus, que não recua nem perante o sofrimento ou o perigo da própria vida, para oferecer a verdadeira liberdade, dignidade e vida à humanidade dramaticamente limitada pela violência, o sofrimento e a morte.

Num tempo em que experimentamos diariamente a ocorrência de atos bárbaros de violência e guerra contra pessoas inocentes e débeis; da proliferação da miséria de grande parte da humanidade, enquanto grupos de corruptos e gananciosos açambarcam escandalosamente os recursos que Deus criou para todos; da exclusão de gente sofrida e desesperada e de muros que pretendem proteger o comodismo fechado e insensível de alguns, para nem sequer verem o desespero dos demais… num mundo destes, é bom celebrar e interiorizar a mensagem da Páscoa, do caminho da cruz que se faz dom absoluto de vida.

Para celebrar a Páscoa, não podemos esquecer o drama da humanidade, pois não é possível cantar uma alegria e uma esperança alienadas e descomprometidas da realidade do mundo que nos circunda. Essa seria apenas a Páscoa de chocolates e amêndoas. A Páscoa autêntica começa com uma cruz, erguida como instrumento de tortura, de aviltamento, de opressão e de morte. Nela está patente aquilo que de mais aberrante os homens podem produzir e, em última análise, tudo o que os homens acabam por sofrer, na sua limitação e fragilidade. Na sua Páscoa, Jesus não fecha os olhos perante esse rosário dramático da história, mas torna-se parte dessa realidade cruenta, não por necessidade, mas por amor. Desce ao poço onde se encontra a miséria e o sofrimento e, antes de ser libertador, identifica-se com os sofredores e oprimidos, sofre a injustiça, o aviltamento, a dor e a morte, ao lado dos condenados e oprimidos, para abrir, juntamente com eles, um caminho de libertação, de dignidade, de vida.

Não o faz com as receitas habituais do uso da violência (até “justificada”!) dos miseráveis e injustiçados, mas com absoluta solidariedade para com toda a humanidade. A recusa absoluta da violência, como modo de transformação do mundo, não é, nem resignação perante o mal e o poder, nem fatalismo suicida e impotente, mas a afirmação de um poder antigo e sempre novo: o amor… o amor de Deus, que se deixa amassar na frágil e caduca natureza humana e na sua dor, introduzindo na História um dinamismo novo, e convertendo o sinal máximo do ódio e da opressão em caminho radioso de libertação, de amor e de vida. Esse é o milagre da vida: a Ressurreição.

É desse modo realista e absolutamente solidário que o Senhor Ressuscitado nos indica o caminho da superação do mal, da deterioração e da morte. É desse modo que ensina a “fazer Páscoa”, na vida, nas nossas famílias imperfeitas, na nossa Igreja imperfeita, no nosso país e no nosso mundo imperfeitos. Porque acreditamos na força transformadora do amor fiel e poderoso de Deus, que nunca desiste de nós e nos dá a energia de colaborar na superação da opressão e da violência, e assegura a nossa vida, mesmo para além do sofrimento, da debilidade e da morte a que estaremos sempre sujeitos.

É com esta memória de vida vivificadora que desejo a cada um de vós, a cada uma das nossas famílias, uma PÁSCOA FELIZ, na alegria e na liberdade solidária do Senhor Ressuscitado.

                                                                                + José Ornelas Carvalho

                                                                                      Bispo de Setúbal

[Fotografias da Vigília Pascal na Sé de Setúbal, disponíveis no Facebook da Diocese de Setúbal, clicando aqui.]

 

 

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15 de Abril de 2017