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Natal do Senhor: Comentário à Liturgia – “O povo que caminhava nas trevas viu uma grande luz”

Igreja em Rede - formato diocese

O povo que caminhava nas trevas viu uma grande luz

Os evangelhos que são lidos nos dias de Natal apresentam duas perspetivas diversas. A primeira encontra-se nos chamados “evangelhos de infância”, denominação habitual para os dois primeiros capítulos, quer de São Mateus, quer de São Lucas. Neles, com as diferenças próprias do estilo e teologia de cada um dos autores sagrados, narram-se os acontecimentos que culminam no nascimento do Senhor, em Belém da Judeia, apresentando uma série de personagens inesquecíveis: Zacarias e Isabel, Magos e pastores, João Baptista e Herodes, para além da Sagrada Família composta por Jesus, Maria e José.

Mas estas narrativas não são a única forma que os evangelhos conhecem para nos falar do nascimento do Salvador.  De facto, na missa do dia de Natal, lê-se o chamado prólogo do Evangelho de São João (Jo 1,1-18). Neste texto único em beleza e profundidade fala-se de uma luz que não é recebida, antes rejeitada pelos homens, numa alusão à dureza de coração que conduzirá Jesus à sua cruz; fala-se do testemunho, em particular do Baptista; mas sobretudo fala-se do Logos, que está “no princípio” (v. 1).

No “Fausto”, obra magna de Goethe, tenta-se traduzir, por diversos caminhos, a riqueza escondida no vocábulo grego Logos, que, no entanto, não se deixa traduzir facilmente. E propõe quatro hipóteses:

  1. No princípio era a Palavra, a Comunicação;
  2. No princípio era a Potência, a Força que cria;
  3. No princípio era o Sentido, o Significado;
  4. No princípio era o Ato, a Ação.

Todos estes significados estão presentes no Logos divino, de tal forma que a nossa habitual tradução por Verbo é um pobre sucedâneo, ainda que porventura o melhor possível em português. Desta forma, dizer que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” é uma afirmação de tal modo densa, profunda, que, mais do que explicada, deve ser contemplada, rezada, cantada (pode ouvir aqui uma inspirada versão musical, numa toada mais juvenil). É, porém, a afirmação principal do Natal, que não se reduz a um mero aniversário de um grande profeta; antes traduz a suprema graciosidade de um Deus grandioso que se quer fazer pequeno como nós. E dessa forma, enriquecer toda a humanidade.

Conclui o prólogo, dizendo: “a Deus, nunca ninguém o viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que o deu a conhecer”. Poderíamos também traduzir esta última expressão como “o Filho fez a exegese do Pai”. “Exegese” significa “interpretação”; a exegese de Deus só pode ser feita por Jesus Cristo. É ele a chave das Escrituras, porque sem Ele nada podemos fazer (cf. Jo 15,5). É ele, portanto, a Luz que nos permite ver a Deus!

Padre Daniel Nascimento

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25 de Dezembro de 2020