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A família Portugal

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A família do senhor Portugal caiu numa situação difícil. Para se aguentar vê-se na necessidade de pedir empréstimos a diversos bancos e para satisfazer esses compromissos faz outros empréstimos que mais agravam a situação. O pior é que os filhos, sobretudo os que já são doutores, não estão dispostos a abandonar certos costumes, a simplificar o seu modo de vida, a poupar nas suas despesas

 

 A família do senhor Portugal caiu numa situação difícil. Para se aguentar vê-se na necessidade de pedir empréstimos a diversos bancos e para satisfazer esses compromissos faz outros empréstimos que mais agravam a situação. O pior é que os filhos, sobretudo os que já são doutores, não estão dispostos a abandonar certos costumes, a simplificar o seu modo de vida, a poupar nas suas despesas. A Helena, por exemplo, continua a vestir-se nas casas de Paris onde vai todos os meses, o Hugo não dispensa as suas viagens atrás do Benfica, o Zé continua a preferir os bons restaurantes da capital a comer em casa. O pai e a mãe que também sentem a necessidade de honrar o nome da família, Nobre de Portugal, sustêm o seu nível de vida, com festas e convidados, espectáculos da alta sociedade, escondendo assim de todos o seu estado financeiro. Os criados e as criadas são os que co-meçam a protestar por sentirem que lhes tiram direitos e os jardineiros já disseram que não trabalham se não lhes pagarem o salário atrasado. O médico e o veterinário não vêm a casa, dispensaram o moço de recados, diminuíram as quantidades de detergentes e artigos de limpeza, o pessoal passou a comprar o seu fardamento e a cuidar dele à sua custa. Enfim, não há transporte para o pessoal, os motoristas foram dispensados.

O senhor Inácio Nobre de Portugal achou por bem, antes de partirem para férias, convocar toda a família para conversarem sobre o estado da situação. Estava o casal titular, os oito filhos com esposas e maridos, sobrinhos, avós e outros familiares. O pessoal menor ficou atrás das portas a escutar. O chefe da família começou por dizer que não deviam andar nervosos nem assustados porque também outras famílias poderosas estavam a passar mal. Disse também que havia necessidade de tratar bem o pessoal para que este não se revoltasse mas que os criados teriam de pagar os seus uniformes, comer em suas casas e participar num mealheiro para as despesas da casa. Nada disse sobre a urgência de os filhos começarem a poupar. Passou depois a palavra aos filhos: um disse que o pai e a mãe estavam a gerir mal a casa e todos iam cair na miséria; outro lamentava a degradação das casas da família e o descuido nas propriedades que já nada produziam; outro ainda desesperava por a casa onde viviam não estar limpa, a comida não ser boa, o pessoal e os animais andarem doentes e que o mealheiro devia desaparecer. Envolveram-se todos em discussão, chamaram-se nomes e, a certa altura, o filho mais novo disse: “ofereço-me para, com o pai e a mãe, organizar o governo da casa como deve ser”. O gozo foi geral.

Os que se encontravam à escuta comentavam: afinal, falaram e gritaram tanto mas só perderam tempo. Ninguém disse: eu estou disposto a reduzir a minha mesada; nenhum deles se ofereceu para diminuir as suas despesas – viajar menos, vestir mais simplesmente, frequentar menos festas, ou seja, esbanjar menos. Nenhum deles ou delas se ofereceu para vir ajudar na limpeza, no jardim ou em organizar o seu próprio mealheiro de filhos com a sua contribuição para a casa. Já sabíamos: muita parra e pouca uva.

 

P. Manuel Soares

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27 de Julho de 2010