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Igreja em Rede: Sexta-Feira da II Semana da Páscoa – “Distribuiu-os e comeram quanto quiseram” (Jo 6, 1-15)

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Liturgia de Sexta-Feira da II Semana da Páscoa

Comentário à liturgia de hoje pelo Padre António Sílvio Couto, Pároco da Moita

«Porque se esta iniciativa ou esta obra, vem dos homens, acabará por si mesma. Mas se vem de Deus não podereis destruí-la e correis o risco de lutar contra Deus.» (At 5, 38-39).

«Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isto para tanta gente?» (Jo 6, 9).

 

Estas duas frases são extraídas dos textos da liturgia desta Sexta-feira da Segunda Semana do Tempo Pascal. Celebrámos no passado Domingo “a Misericórdia”, que deve ser vivida mais como ato teológico do que como devoção. Assim, estes dois textos podemos vê-los à luz dessa qualidade essencial de Deus, a misericórdia, como nos disse o Papa Francisco, por ocasião do “Ano da Misericórdia”, celebrado entre 2015 e 2016: entender o mistério da Igreja e viver o ministério da Eucaristia.

Expliquemos estas duas expressões naquilo que é estarmos a viver no eterno tempo pascal, pois, este é mais do que um certo tempo de calendário litúrgico.

 

a) Entender o mistério da Igreja

Irrompendo da manhã do Pentecostes, os irmãos, investidos em discípulos d’O Ressuscitado, incomodam as autoridades judaicas e provocam, tal o seu Mestre, confusão, apreensão e receio. Por isso, a intervenção de Gamaliel – mestre de Saulo – é importante como critério de avaliação, de julgamento e mesmo de conduta pastoral… tanto ontem como hoje. Aquilo que Gamaliel disse sobre aqueles discípulos continua a ser o melhor critério para avaliar as coisas de Deus – movimentos, obras, iniciativas, projetos ou empreendimentos – e até mesmo a própria Igreja. Ela é de origem divina: se assim não fosse como poderia ter sobrevivido a tantos ataques e vicissitudes ao longo da história.

Os mais recentes acontecimentos ao nível global e na proximidade são disso um exemplo bem vivo: fecharam os templos por causa da pandemia do “Covid-19”, mas a Igreja não hibernou e tão pouco desertou da sua presença entre os homens, sabendo discernir os sinais dos tempos. Tal como lemos, passados séculos, a forma como a Igreja ultrapassou os obstáculos colocados interior e exteriormente, assim acredito que havemos de encontrar a saída mais digna para esta época de provação. Será muito útil reler (refletir e rezar) o livro do Apocalipse de São João para vislumbrarmos as saídas…à semelhança das igrejas daquele e deste tempo.

 

b) Viver o ministério da Eucaristia

Por certo a “falta” da Eucaristia – sacramento e comunhão – tem-nos trazido algum constrangimento pessoal/espiritual e comunitário/eclesial. E nem mesmo o recurso à “comunhão espiritual” preencherá essa espécie de vazio de tantos dos nossos cristãos.

A passagem do evangelho de São João, capítulo 6, que começa a ser lida neste dia litúrgico, é um bom lenitivo e sinal para penetrarmos no significado profundo da Eucaristia na vida dos discípulos de Jesus. Não poderemos acomodar-nos à “missas à la carte” a que podemos – já antes podíamos! – recorrer como possível suplência da presença com os outros. Interrogo-me – já o partilhei com outros padres – qual será o resultado destas missas televisionadas ou de sofá: dar-nos-ão fome da missa com os outros presencialmente ou deixar-nos-emos acomodar a este modo “simpático” de ser cristão de pantufas? É verdade: nada vai ficar igual…

No texto que escutamos na missa de hoje – Jo 6,1-15 – vemos os prolegómenos da “multiplicação dos pães” na versão joanina: a multidão faminta, a atenção/compaixão de Jesus, os cuidados de Pedro e a presença do tal rapazito, a disposição da multidão por grupos, a receção do pão-e-do-peixe multiplicados, com a recolha cuidada dos restos…do sinal.

É verdade, tal como diziam os primeiros cristãos: não podemos viver sem a Eucaristia e o domingo. Efetivamente a Eucaristia continua a ser o grande sinal – mistério da fé – do amor de Jesus por nós. A sua dádiva por nós renova-se em cada Eucaristia, mas esta tem de ser dinâmica, sem precisar de ser frenética; tem de ser oblativa, sem precisar de ser anquilosada; tem de ser mistério de comunhão, sem cairmos em rituais sociológicos vazios e talvez mundanos.

O texto de São João continuará a dimensão mistagógica da Eucaristia, assim a vivamos contemplativamente.

Padre António Sílvio Couto

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24 de Abril de 2020