Liturgia de Solenidade do Nascimento de S. João Baptista
Comentário à liturgia de hoje pelo Padre João de Brito, Quasi-Pároco de São Francisco Xavier, no Monte de Caparica
Zacarias está mudo. Provavelmente num silêncio que já não é só consequência da sua falta de fé, mas também da perceção de um mistério pelo qual se sente ultrapassado. Como atrever-se a falar aos homens, depois de ter falado atrevidamente ao anjo? De Zacarias não se ouve uma palavra, enquanto não gravar o nome João naquela tábua. Não seria, no entanto, a primeira vez que o fazia. Se não, como sabia Isabel que o seu nome seria João? O Evangelho não nos diz que a ela lhe tenha aparecido o anjo. Não havia ninguém na família com aquele nome. Cabe pensar que nalgum momento e de alguma forma, talvez numa outra tábua, Zacarias lho tenha revelado. Envergonhado, humilhado, de olhos postos naquele dom de Deus que o anjo lhe tinha prometido. E com que fé o coração daquela mulher recebeu aquele nome, o nome que Deus dava ao seu filho. “Não. Ele vai chamar-se João”, diz, com segura tranquilidade. Isabel não lhe dá o nome, mas diz que lhe será dado esse nome. Quem lhe dá o nome é Zacarias, o pai: “O seu nome é João”, escreve na tábua. Escreve na tábua, como outrora o dedo de Deus escreveu os Dez Mandamentos nas tábuas da Lei, no monte Sinai. O texto é, em essência, o mesmo: a vontade de Deus.
E é a decisão de concretizar publicamente a vontade de Deus que desprende a língua de Zacarias. Embora já o tivesse manifestado a Isabel, só a concretização pública da vontade de Deus, nascida da adesão interior e à revelia das expectativas humanas, lhe desprende a língua, fazendo dele um profeta ao seu modo, à sua escala, tornando-o o precursor do Precursor. Por isso, alguns versículos depois, podemos escutar o belo Benedictus, o hino com o qual o pai do profeta profetiza a respeito do próprio filho: “E tu, menino, serás chamado Profeta do Altíssimo, porque irás à sua frente a preparar os seus caminhos, para dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados”. A mudez da incredulidade dá lugar a um hino de louvor através da concretização pública da vontade de Deus. Bem-aventurado és tu, Zacarias, porque te abriste à fé nas maravilhas de Deus.
Este episódio evangélico volta-se necessariamente para nós e ilumina a nossa vida nos seus brilhos e sombras. Também as nossas dúvidas estão chamadas a transformar-se em adesão confiante à vontade de Deus. Também a nossa fé se deve concretizar em opções concretas iluminadas pela fé, dando lugar, em nós, aos profetas que somos pelo batismo.
Padre João de Brito, sj