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A Palavra do Papa: os pedaços de pão, o amor desinteressado, a vocação da Igreja e o querigma

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Nos últimos dias, o Santo Padre evocou o papel de avós e idosos na partilha do “tesouro comum que é a vida”. Interveio na Pré-Cimeira da ONU para combater a fome, apelou à transformação da Igreja, centrando-se na evangelização, e alertou para a tentação de apropriação do Evangelho.

“Avós e idosos não são sobras de vida”

O presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, D. Rino Fisichella, presidiu à missa do primeiro Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, a 25 de julho, na Basílica de São Pedro.

Devido à recente cirurgia, o Santo Padre não presidiu a celebração, mas a sua homilia foi lida por D. Fisichella. O Papa inicia a sua homilia com o seguinte versículo do Evangelho deste domingo: «Jesus disse a Filipe: “Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?”.

O Papa deteve-se nestes três momentos: Jesus vê a fome da multidão; Jesus partilha o pão; Jesus recomenda a recolher os pedaços que sobraram. Três momentos que se resumem em três verbos: ver, partilhar e guardar.

O Pontífice usa os três verbos para aludir aos avós e idosos, questionando a relação intergeracional que hoje em dia existe: “Que olhar temos para com os avós e os idosos? Quando foi a última vez que fizemos companhia ou telefonamos a um idoso para o certificar da nossa proximidade e deixar-nos abençoar pelas suas palavras?”

Sofro quando vejo uma sociedade que corre, apressada e indiferente, ocupada com tantas coisas e incapaz de parar para dar um olhar, uma saudação, uma carícia. Tenho medo duma sociedade onde todos formamos uma multidão anónima e já não somos capazes de erguer os olhos e reconhecer-nos. Os avós, que alimentaram a nossa vida, hoje têm fome de nós: da nossa atenção, da nossa ternura; de sentir-nos perto deles. Ergamos o olhar para eles, como Jesus faz connosco.”

“Os avós e os idosos não são sobras de vida, desperdícios para jogar fora. Mas são aqueles preciosos pedaços de pão deixados na mesa da nossa vida, que ainda nos podem nutrir com uma fragrância que perdemos, «a fragrância da memória», acrescentou.

A homilia do Papa conclui-se, dizendo que “os avós e os idosos são pão que nutre a nossa vida”: “por favor, não nos esqueçamos deles. Aliemo-nos com eles. Aprendamos a parar, a reconhecê-los, a ouvi-los. Nunca os descartemos. Guardemo-los amorosamente. E aprendamos a partilhar tempo com eles. Sairemos melhores. E juntos, jovens e idosos, nos saciaremos à mesa da partilha, abençoada por Deus.”

ONU: “a fome no mundo é um escândalo e um crime contra os direitos humanos”

O Papa Francisco, através de uma mensagem, participou na Pré-Cimeira sobre sistemas alimentares da ONU que prepara o maior evento global sobre o tema agendado para setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas.

O texto do Pontífice foi lido pelo secretário para as Relações com os Estados do Vaticano, D. Paul Richard Gallagher, e dirigido ao Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres. Na mensagem, Francisco começa por destacar a fome como um dos princípios desafios de hoje, realçando a importância de a combater, bem como a desnutrição e a insegurança alimentar na era Covid-19.

É necessária “uma mudança radical”, alerta o Pontífice, diante da exploração da natureza com o uso irresponsável e o abuso dos bens:

Produzimos comida suficiente para todas as pessoas, mas muitas ficam sem o pão de cada dia. Isso ‘constitui um verdadeiro escândalo’, um crime que viola direitos humanos básicos. Portanto, é um dever de todos extirpar esta injustiça através de ações concretas e boas práticas, e através de políticas locais e internacionais ousadas.”

“Ao longo deste encontro, temos a responsabilidade de realizar o sonho de um mundo onde o pão, a água, os remédios e o trabalho fluam em abundância e cheguem primeiro aos mais necessitados. A Santa Sé e a Igreja Católica estarão a serviço desse nobre objetivo, oferecendo a sua contribuição, unindo forças e vontades, ações e sábias decisões.”

Tráfico humano: “economia do cuidado”

Na sexta-feira, 30 de julho, celebrou-se o Dia Mundial Contra o Tráfico Humano. Um tema no coração do Papa Francisco:

“No Dia Mundial Contra o Tráfico Humano, convido todos a trabalhar juntos para transformar a economia do tráfico numa economia do cuidado”, escreveu o Pontífice no Twitter.

Esta data é convocada pelas Nações Unidas desde 2013 com a finalidade de combater a exploração das pessoas, um fenómeno que atinge praticamente países de todos os continentes, entre nações envolvidas na origem, trânsito e destino das vítimas.

Angelus: “aprender da amizade com Jesus o amor desinteressado e sem cálculo pelos outros”

Jesus o Pão da vida: a narrativa do Evangelho de João da liturgia deste XVIII Domingo do Tempo Comum ofereceu ao Santo Padre a ocasião para exortar-nos a buscar uma relação com Deus que “vá além das lógicas do interesse e do cálculo”, ou seja, a ter com Ele uma relação de amor.

Dirigindo-se aos fiéis e turistas reunidos na Praça São Pedro, Francisco comenta que as pessoas que haviam testemunhado a multiplicação dos pães não haviam compreendido o significado do gesto, “restringiram-se ao milagre externo e ao pão material.”

Neste sentido, o Papa propõe a primeira pergunta que poderíamos fazer a nós mesmos: “Por que buscamos o Senhor? Por que eu busco o Senhor? Quais são as motivações da minha fé, da nossa fé?”:

Temos necessidade de discernir isso, porque entre as tantas tentações que temos na vida, entre as tantas tentações há uma que poderíamos chamar de tentação idolátrica. É aquela que nos leva a buscar a Deus para o nosso próprio uso e consumo, para resolver os problemas, para obter, graças a Ele, o que não conseguimos obter sozinhos, por interesse.”

Mas assim – observou o Papa – a fé permanece superficial e miraculosa: “buscamos a Deus para matar a nossa fome e depois quando estamos satisfeitos esquecemo-nos dele”:

No centro desta fé imatura não existe Deus, estão as nossas necessidades. Penso nos nossos interesses, tantas coisas…É justo apresentar ao coração de Deus as nossas necessidades, mas o Senhor, que age bem além das nossas expectativas, deseja viver connosco sobretudo uma relação de amor. E o amor verdadeiro é desinteressado, é gratuito: não se ama para receber um favor em troca. Isso é interesse, e tantas vezes na vida nós somos interesseiros!”

Vem então uma segunda questão: “Mas, como fazer para purificar a nossa busca por Deus? Como passar de uma fé mágica, que só pensa nas próprias necessidades, para uma fé que agrada a Deus?”. E é o próprio Jesus que responde, afirmando que “a obra de Deus é acolher Aquele que o Pai enviou, ou seja, Ele mesmo, Jesus”:

“Não é acrescentar práticas religiosas ou observar especiais preceitos; é acolher Jesus, é acolhê-Lo na vida, é viver uma história de amor com Ele. Será Ele quem purificará a nossa fé. Sozinhos, não somos capazes. Mas o Senhor deseja uma relação de amor connosco: antes das coisas que recebemos e fazemos, existe Ele a ser amado. Existe uma relação com Ele que vai além das lógicas do interesse e do cálculo.”

Papa aos jovens de Medjugorje: “seguir Cristo é a verdadeira alegria”

A mensagem de Francisco chega aos jovens reunidos na Mladifest, um encontro anual internacional de oração que se realiza de 1 a 6 de agosto na cidade da Bósnia-Herzegóvina. Confiando-os ao modelo de Maria e seu “Eis-me aqui”, o Papa convida-os a acreditar na plenitude e na verdadeira felicidade que a entrega a Deus, livre de apegos, traz consigo

“O que farei de bom para ter a vida eterna”? As palavras do jovem rico de que falam os Evangelhos sinóticos (cf. Mt 19,16-22; Mc 10,17-22; Lc 18,18-23), aquele que “partiu, ou melhor, correu ao encontro do Senhor, para ter a vida eterna, isto é, a felicidade”, são o tema guia do Festival que o Papa refletiu na sua mensagem.

O Mladifest, recorda a todos o Papa, é de facto uma “semana de oração e de encontro com Jesus Cristo, em particular na sua Palavra viva, na Eucaristia, na adoração e no sacramento da Reconciliação”, que tem o poder de “nos colocar no caminho para o Senhor”. E assim este jovem do Evangelho, cujo nome não conhecemos, mas cuja alma conhecemos, torna-se o emblema de todos os que participam deste evento.

Ele, recorda o Papa, “educado e bem instruído”, era animado por uma “saudável inquietação que o incitava a buscar a verdadeira felicidade, a vida em sua plenitude”, por esta razão ele colocou-se a caminho e em Jesus Cristo encontrou um guia “forte, credível e confiável” que “o dirigia a Deus, que é o único e supremo Bem do qual vem todo o outro bem”.

A primeira etapa, indicada por Jesus, é o “amor concreto pelo próximo”, mas não o amor dado pela observância de preceitos, mas um amor “gratuito e total”.

“Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus” (Mt 19,21). Jesus muda a perspetiva: ele convida-o a não pensar em assegurar a vida após a morte, mas a dar tudo na sua vida terrena, imitando assim o Senhor.”

Se – explica o Papa – o coração está cheio de bens, o Senhor e o próximo se tornam apenas “coisas”, porque “demais para ter e demais para querer” nos sufoca, “faz-nos infelizes e incapazes de amar”.

De seguida, Jesus propõe ao jovem uma escolha radical: “Vem! Segue-me!” Trata-se de “ser discípulos de Jesus”, que significa – explica o Papa – não imitá-lo externamente, mas “conformar-se com Ele” no fundo, recebendo em troca “uma vida rica e feliz, cheia de rostos de muitos irmãos e irmãs, e pais e mães e filhos”, como diz o Evangelho:

Seguir Cristo não é uma perda, mas um ganho incalculável, enquanto a renúncia é sobre o obstáculo que impede o caminho. O jovem rico, porém, tem o seu coração dividido entre dois senhores: Deus e dinheiro. O medo de arriscar e perder os seus bens o faz voltar para casa triste.”

“Tenham a coragem de viver a sua juventude, confiando-se ao Senhor e partindo com Ele. Deixai-vos conquistar pelo seu olhar amoroso que nos liberta da sedução dos ídolos, das falsas riquezas que prometem vida mas trazem a morte. Não tenham medo de acolher a Palavra de Cristo e de aceitar o seu chamamento. Não desanimem como o jovem rico do Evangelho; em vez disso, fixem o olhar em Maria, o grande modelo da imitação de Cristo, e confiem-se a Ela que, com o seu “eis-me aqui”, respondeu sem reservas ao chamamento do Senhor.”

Vídeo do Papa: “reformar a Igreja a partir de nós mesmos com oração, caridade e serviço”

Francisco, no vídeo de intenção de oração para o mês de agosto, aprofunda o tema da própria vocação da Igreja, a de evangelizar, e da necessidade de uma reforma que deve começar por “nós mesmos”, através da oração, da caridade e do serviço. O Pontífice convida-nos a rezar pela Igreja, pela sua transformação à luz do Evangelho.

A vocação própria da Igreja é evangelizar, e isso não é fazer proselitismo. A vocação é evangelizar e, mais, a identidade da Igreja é evangelizar.”

“A nossa própria reforma como pessoas, essa é a transformação. Deixar que o Espírito Santo, que é o dom de Deus nos nossos corações, nos lembre do que Jesus ensinou e nos ajude a colocá-lo em prática. Vamos começar a reformar a Igreja com a reforma de nós mesmos. Sem ideias pré-fabricadas, sem preconceitos ideológicos, sem rigidez, mas avançando a partir de uma experiência espiritual, uma experiência de oração, uma experiência de caridade, uma experiência de serviço. Sonho com uma opção ainda mais missionária, que vá ao encontro do outro sem fazer proselitismo e que transforme todas as suas estruturas para a evangelização do mundo de hoje”, desafia.

“Recordemos que a Igreja sempre tem dificuldades, sempre tem crises, porque está viva. As coisas vivas entram em crise. Só os mortos não entram em crise. Rezemos pela Igreja, para que receba do Espírito Santo a graça e a força de se reformar à luz do Evangelho”, terminou.

Audiência Geral: “A verdade suprema é a revelação do amor do Pai”

“O Evangelho é um só” foi o tema da terceira catequese do Papa dedicada à Carta aos Gálatas. Nas duas catequeses anteriores, o Papa inaugurou o novo ciclo comentando as dificuldades enfrentadas pelo discípulo na obra de evangelização na Galácia.

Paulo apresenta-se simplesmente como servo de Jesus Cristo, escolhido para ser apóstolo, reservado para anunciar o Evangelho de Deus e não pode fazer outra coisa senão dedicar-se com todas as suas forças a esta missão.

“Portanto – comenta Francisco – compreende-se a tristeza, a desilusão e até a amarga ironia do Apóstolo em relação aos Gálatas, que aos seus olhos tomam um caminho errado, que os levará a um ponto de não retorno”. “O eixo em torno do qual tudo gira é o Evangelho”. Para Paulo, o Evangelho é o que ele prega, o querigma, o anúncio da morte e ressurreição de Jesus como fonte de salvação. Um Evangelho que se exprime com quatro verbos: ‘Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado, e ressurgiu no terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas’.

Assim, diante de um dom tão grande que foi dado aos Gálatas, o Apóstolo não consegue explicar porque eles pensam em aceitar outro “evangelho”. O Apóstolo não pode arriscar que se criem compromissos num terreno tão decisivo. O Evangelho é um só e é aquele que ele anunciou; não pode haver outro.”

Atenção! – esclarece o Pontífice – Paulo não diz que o verdadeiro Evangelho é o seu, porque foi ele que o anunciou, não! Isto seria presunçoso, seria vanglória. Aliás, afirma que o ‘seu’ Evangelho, o mesmo que os outros Apóstolos anunciavam noutros lugares, é o único autêntico, porque é o de Jesus Cristo”.

Francisco explica que “esta situação descrita no início da Carta parece paradoxal, pois todos os sujeitos em questão parecem ser animados por bons sentimentos”. Os Gálatas que ouvem os novos missionários (…) pensam que assim serão ainda mais agradáveis a Paulo. Os inimigos de Paulo parecem ser animados pela fidelidade à tradição, (…) e justificam até as insinuações e suspeitas a respeito de Paulo, considerado pouco ortodoxo no que se refere à tradição. Porém:

Por fim Francisco recorda a todos a importância de saber discernir:

Muitas vezes vimos na história, e também o vemos hoje, alguns movimentos que pregam o Evangelho à sua maneira, às vezes com os seus verdadeiros carismas; mas depois exageram e reduzem todo o Evangelho ao ‘movimento’. E este não é o Evangelho de Cristo: este é o Evangelho do fundador, da fundadora, e isto, sim, pode ajudar no início, mas no final não dá frutos com raízes profundas”, adverte o Papa.

“Em síntese, neste labirinto de boas intenções é necessário desenvencilhar-se para compreender a verdade suprema que se apresenta como a mais coerente com a Pessoa e a pregação de Jesus e com a sua revelação do amor do Pai. Por isso, a palavra clara e decisiva de Paulo foi saudável para os Gálatas e é salutar também para nós”, conclui.

JM (recursos jornalísticos do portal noticioso Vatican News)

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04 de Agosto de 2021