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A Palavra do Papa: o deserto do essencial, Efatá, o canteiro de obras, a inteligência artificial e a paz

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“A dignidade humana e a fraternidade que nos une devem estar na base do desenvolvimento de novas tecnologias e servir como critérios indiscutíveis para as avaliar antes da sua utilização, para que o progresso digital possa verificar-se no respeito pela justiça e contribuir para a causa da paz” disse o Papa na mensagem para o Dia Mundial da Paz, publicada esta semana.

Papa: rumo ao Natal, valorizar o silêncio e a sobriedade, inclusive nas redes sociais

Já com a Praça São Pedro enfeitada para o Natal, o Pontífice rezou com milhares de fiéis a oração do Angelus e comentou o trecho do Evangelho de São Marcos que fala de São João Batista, o precursor de Jesus.

O Papa deteve-se no versículo em que o Batista é descrito como “voz daquele que grita no deserto”, para refletir sobre as palavras “voz” e “deserto”. O deserto é o local do silêncio e da essencialidade, onde não é permitido divagar sobre coisas inúteis, mas é preciso concentrar-se no que é indispensável para viver.

Viver bem não quer dizer encher-se de coisas inúteis, mas libertar-se do supérfluo, para cavar em profundidade dentro de si, para compreender aquilo que é realmente importante diante de Deus.”

Para Francisco, o silêncio e a sobriedade – nas palavras, no uso das coisas, na media e nas redes sociais – não são só “promessas” ou virtude, mas elementos essenciais da vida cristã.

Se não se é capaz de calar, é difícil que se tenha algo de bom a dizer; enquanto mais atento é o silêncio, mais forte é a palavra”, disse o Papa. 

Francisco então convida os fiéis a questionarem-se: que lugar ocupa o silêncio nos meus dias? É um silêncio vazio, talvez opressor, ou um espaço de escuta, de oração, onde custodiar o coração? A minha vida é sóbria ou repleta de coisas supérfluas?

Logo após rezar o Angelus, o Papa recordou que há 75 anos, mais precisamente a 10 de dezembro de 1948, era assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“É como uma via mestra, na qual foram dados muitos passos em frente, mas ainda faltam muitos e, infelizmente, por vezes retrocedemos. O empenho pelos direitos humanos nunca termina! Neste sentido, estou próximo de todos aqueles que, sem proclamações, na vida concreta de cada dia lutam e pagam pessoalmente por defender os direitos daqueles que não contam.”

Senhora de Guadalupe: perfumemos a nossa frágil realidade com obras de bem

O Papa Francisco celebrou a missa, na Basílica de São Pedro, na tarde de terça-feira, por ocasião da Festa de Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira da América Latina.

A primeira coisa que “nos vem à mente é a imagem da Virgem impressa na tilma [veste]”. “É a imagem da primeira discípula, da mãe dos fiéis, da própria Igreja, que fica impressa na humildade daquilo que somos e temos, que não vale muito, mas que será algo grande aos olhos de Deus e está impresso na tilma”, disse o Papa na sua homilia.

Segundo Francisco, “a Virgem pede a Juan Diego que faça um pequeno trabalho, colha algumas flores”, frisou o Papa, acrescentando:

As flores, no misticismo, significam as virtudes que o Senhor infunde no coração, não são obra nossa. O ato de colhê-las revela-nos que Deus quer que aceitemos esse dom, que perfumemos a nossa frágil realidade com obras de bem, eliminando o ódio e o medo.”

As palavras da Virgem de Guadalupe: “Não estou eu aqui, que sou sua mãe?”, adquirem um novo sentido. De acordo com o Papa, “esse ‘estar’ da Virgem deve ficar permanentemente impresso nessas pobres roupas, perfumadas por virtudes recolhidas num mundo que parece incapaz de produzi-las. Virtudes que preenchem a nossa pobreza na simplicidade dos pequenos gestos de amor, que iluminam a nossa tilma, sem nos darmos conta, com a imagem de uma Igreja que carrega Cristo no seu seio”.

Audiência Geral: o cristão deve ser aberto à Palavra de Deus e aos irmãos

O Papa Francisco concluiu o ciclo de catequeses sobre o zelo apostólico na Audiência Geral, desta quarta-feira, realizada na Sala Paulo VI.

Durante este período, “deixámo-nos inspirar pela Palavra de Deus, pela vida de algumas testemunhas e pelo Magistério recente para cultivar a paixão pelo anúncio do Evangelho”, disse Francisco, recordando que o zelo apostólico “diz respeito a todos os cristãos, desde o início”.

Jesus realiza um sinal prodigioso a um homem surdo. O evangelista Marcos descreve onde isso aconteceu: “No mar da Galileia. “O que esses territórios têm em comum?”, perguntou o Papa. “O facto de serem predominantemente habitados por pagãos”, respondeu. “Jesus é capaz de abrir os ouvidos e a boca, ou seja, o fenómeno do mutismo e da surdez na Bíblia é também metafórico e designa o fechamento aos apelos de Deus”, disse ainda Francisco, ressaltando que “há uma surdez física, mas na Bíblia quem é surdo para a Palavra de Deus é mudo, pois não comunica a Palavra de Deus”.

Outro sinal é indicativo: o Evangelho relata a palavra decisiva de Jesus em aramaico: Efatá significa “abre-te” que se abram os ouvidos e que se abra a língua. É um convite dirigido não tanto ao surdo-mudo, que não podia ouvi-lo, mas aos discípulos de então e de todos os tempos.”

Também nós, que recebemos o Efatá do Espírito no Batismo, somos chamados a abrir-nos. “Abre-te”, diz Jesus a cada fiel e à sua Igreja: abre-te porque a mensagem do Evangelho precisa de ser testemunhada e anunciada! E isso faz pensar no comportamento do cristão. O cristão deve ser aberto à Palavra de Deus e ao serviço dos outros.

Segundo o Papa, “este Efatá, abrir-se, é um convite a todos nós. No final dos Evangelhos, Jesus dá-nos esse seu desejo missionário. Ir além, ir apascentar e pregar o Evangelho”.

Irmãos e irmãs, sintamo-nos todos chamados, como batizados, a testemunhar e anunciar Jesus. Peçamos a graça, como Igreja, de poder realizar uma conversão pastoral e missionária. O Senhor, às margens do mar da Galileia, perguntou a Pedro se ele o amava e depois pediu-lhe que apascentasse as suas ovelhas.”

“Trabalho é dignidade e esperança”

“LaborDì: um canteiro de obras para gerar trabalho” é uma iniciativa promovida pelas ACLI de Roma (Associações Cristãs de Trabalhadores Italianos) com o objetivo de colocar os jovens em contacto com o mundo empresarial, fornecer informação e formação através de 80 oficinas e centenas de entrevistas.​

O trabalho é um tema muito querido ao Papa Francisco. Na mensagem dirigida aos participantes, ele tenta imaginar os sentimentos vividos hoje pelos jovens diante do mundo do trabalho e utiliza a imagem do canteiro de obras para destacar dois dos seus aspetos contrastantes: “A sensação de vazio” e a “correria febril”. O primeiro aspeto faz pensar na ausência de trabalho, uma ferida na dignidade das pessoas que as priva de planeamento, mas também exprime o “equilíbrio precário” a que muitos estão condenados pela falta de um trabalho “suficientemente estável”. O Papa sublinha:

Diante dessa sensação de vazio, muitos, desorientados e desmotivados, desistem e vão para outro lugar, mas isso, além de causar amargura, constitui uma derrota, porque recursos não faltam e devem ser utilizados para realizar sonhos concretos, como o de um trabalho estável e duradouro, de uma família a formar, de um tempo para dedicar gratuitamente aos outros no voluntariado.”

O segundo aspeto sugerido pela imagem do canteiro de obras é a “correria febril” que costuma estar presente onde uma obra é realizada. A correria febril retrata o imperativo da produtividade e as demandas cada vez mais exigentes que caracterizam grande parte do trabalho atual, um “trabalho esmagador”.

Apesar de tudo isto, Francisco exorta os participantes da iniciativa ACLI a “não perderem a esperança”, sublinhando que o próprio trabalho, o sentir-se útil aos outros, produz esperança.

A esperança, de facto, não é um otimismo que depende das circunstâncias, mas uma confiança que se gera através da construção comprometida e participativa do bem comum. O trabalho, portanto, é protagonista da esperança, é a principal forma de nos sentirmos ativos no bem como servidores da comunidade, porque cuidar dos outros é a melhor maneira de não nos preocuparmos com coisas inúteis.

Papa: a saúde melhorou, não penso em renunciar e gostaria de ir para a Bélgica

Francisco em conversa com a jornalista Valentina Alazraki para a emissora mexicana N+ no dia em que o México celebra Nossa Senhora de Guadalupe. O Pontífice revela que quer ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior: “O lugar está pronto, a minha devoção é grande”.

Mais do que uma decisão ou uma revolução, é uma promessa que o Papa fez à Virgem Maria: “Quero ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior. O lugar já está pronto”. Francisco, que completará 87 anos no próximo dia 17 de dezembro, revela a sua intenção à emissora mexicana N+, e explica que está a trabalhar para simplificar o rito dos funerais dos pontífices, e esclarece que, embora haja pensamentos sobre a morte devido também à idade avançada que “chega tal como é”, a ideia de renunciar não está nos planos. Pelo contrário, Jorge Mario Bergoglio revela o desejo de viajar à Bélgica em 2024, além de viagens “pendentes” à Polinésia e à sua terra natal, a Argentina.

Na entrevista, o Papa reitera a “grande devoção” a Nossa Senhora. Daí a escolha de Santa Maria Maior como local do seu futuro sepultamento, o que, por um lado, marca uma novidade histórica em relação aos Pontífices do passado, todos sepultados nas Grutas Vaticanas (o último foi Bento XVI, falecido em 31 de dezembro de 2022); por outro lado, reforça o vínculo com a Basílica liberiana, visitada 115 vezes. “É minha grande devoção”, diz Francisco.

Sobre o relacionamento com o seu predecessor, por dez anos Papa Emérito, que Francisco falou na entrevista, poucos dias antes do primeiro aniversário de sua morte. “O meu relacionamento com o Papa Bento XVI era muito próximo. Às vezes eu consultava-o. Ele, com grande sabedoria, dava-me a sua opinião, mas dizia ‘decida você’, deixava nas minhas mãos. E sempre me ajudava. Muito generoso neste aspeto”.

A propósito da “velhice”, o Papa – recentemente acometido por uma bronquite, operado duas vezes nos últimos dois anos no Hospital Gemelli – admite a fragilidade da sua saúde, mas reafirma o seu estado. “Sinto-me bem, sinto-me melhor”, declara, mas “preciso que rezem pela minha saúde”, porque “a velhice não vem por si mesma”, “não se inventa, apresenta-se tal como é”. Por outro lado, “é preciso saber como aceitar os dons da velhice” e “que também se pode fazer isso muito bem a partir de outra perspetiva”. “Às vezes”, revela o Papa, “dizem-me que sou imprudente porque tenho vontade de fazer coisas e me movimentar”. Este é um sinal de que “estou muito bem”.

A bronquite forçou o cancelamento da viagem ao Dubai no início de dezembro para o Cop28. “É verdade”, admite o Papa Francisco, “que todas as viagens agora são repensadas. As mais distantes estão a ser repensadas. São os limites, não é? O limite que faz perceber que tudo aqui acaba e outra coisa começa. A velhice faz amadurecer muito, é bonito”.

Mas o desejo de realizar três no próximo ano continua: Bélgica, Polinésia e Argentina. A primeira na Bélgica é “certa”, diz Francisco, convidado pelo Rei Philippe e pela Rainha Mathilde na audiência de 14 de setembro. As outras duas estão “pendentes”: “Veremos como as coisas se vão desenvolver”.

Dia Mundial da Paz: que as formas de inteligência artificial sirvam a causa da fraternidade e da paz

Foi divulgada, esta quinta-feira, a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz que será celebrado no dia 1 de janeiro próximo, sobre o tema “Inteligência Artificial e Paz”.

“A inteligência é expressão da dignidade que nos foi dada pelo Criador, que nos fez à sua imagem e semelhança e tornou-nos capazes, através da liberdade e do conhecimento, de responder ao seu amor. Esta qualidade fundamentalmente relacional da inteligência humana manifesta-se de modo particular na ciência e na tecnologia, que são produtos extraordinários do seu potencial criativo”, escreve Francisco na mensagem.

Segundo o Papa, “o progresso da ciência e da técnica – na medida em que contribui para uma melhor organização da sociedade humana, para o aumento da liberdade e da comunhão fraterna – leva ao aperfeiçoamento do homem e à transformação do mundo”.

Os progressos da informática e o desenvolvimento das tecnologias digitais, nas últimas décadas, começaram já a produzir profundas transformações na sociedade global e nas suas dinâmicas”, escreve ainda o Papa.

Segundo Francisco, “a imensa expansão da tecnologia deve ser acompanhada por uma adequada formação da responsabilidade pelo seu desenvolvimento. A liberdade e a convivência pacífica ficam ameaçadas, quando os seres humanos cedem à tentação do egoísmo, do interesse próprio, da ânsia de lucro e da sede de poder”.

Por isso, temos o dever de alargar o olhar e orientar a investigação técnico-científica para a prossecução da paz e do bem comum, ao serviço do desenvolvimento integral do homem e da comunidade”, ressalta o Santo Padre.

“A dignidade intrínseca de cada pessoa e a fraternidade que nos une como membros da única família humana devem estar na base do desenvolvimento de novas tecnologias e servir como critérios indiscutíveis para as avaliar antes da sua utilização, para que o progresso digital possa verificar-se no respeito pela justiça e contribuir para a causa da paz. Os avanços tecnológicos que não conduzem a uma melhoria da qualidade de vida da humanidade inteira, mas pelo contrário agravam as desigualdades e os conflitos, nunca poderão ser considerados um verdadeiro progresso”, destaca o Papa.

Francisco conclui a mensagem, desejando que “os progressos no desenvolvimento de formas de inteligência artificial sirvam, em última análise, a causa da fraternidade humana e da paz”, e espera “que o rápido desenvolvimento de formas de inteligência artificial não aumente as já demasiadas desigualdades e injustiças presentes no mundo, mas contribua para pôr fim às guerras e conflitos e para aliviar muitas formas de sofrimento que afligem a família humana”.

JM (com recursos jornalísticos do Vatican News)

Foto: Vatican Media

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15 de Dezembro de 2023