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As quatro atitudes de Maria

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Estamos a chegar à conclusão da visita da imagem da Virgem Peregrina de Fátima à nossa diocese. É uma celebração simples, de adeus/até à próxima, de agradecimento, de compromisso, de alegria e esperança.

1. A passagem de uma imagem
Esta tem sido a passagem de uma imagem, em si sem grande valor, mas que se torna preciosa e inspiradora por aquilo que significa. É como a foto de uma pessoa muito querida, como uma bandeira ou o símbolo de algo com que nos identificamos: o nosso país, uma instituição que representa a nossa alegria, ideal, paixão de vida. Não adoramos imagens: unimo-nos à volta das manifestações de Deus na nossa vida pessoal e comunitária e acolhemos a sua passagem no nosso mundo de todos os dias, em formas, gestos e sinais humanos, que falam à nossa inteligência e ao nosso coração. Por isso recebemos este especial sinal de Deus dentro do nosso tempo e das nossas vidas, meditando, rezando, comprometendo-nos na transformação de nós próprios e do mundo.
2. Em Maria, Deus passa nas nossas vidas, cidades, alegrias e desafios
Nestas duas semanas, a imagem peregrina passou pelo interior da nossa Igreja de Setúbal. Desde a sua existência na Palestina, Maria de Nazaré está habituada a caminhar no meio do seu povo: Logo após o anúncio do anjo, parte para as montanhas da Judeia a saudar a sua prima Isabel e a celebrar com ela a fidelidade de Deus às suas promessas. Por causa de uma lei imperial, tem de voltar a Belém e assim se cumpre a promessa de Deus à descendência de David, com o nascimento de Jesus na cidade do grande rei de Israel. A perseguição de Herodes ao Menino leva-a a ser refugiada no Egito, mas regressa à terra da promessa, como o povo guiado por Moisés. Nas festas do seu povo, dizem os Evangelho, a família vai regularmente a Jerusalém. Durante a vida pública de Jesus, Maria acompanha o seu Filho, escuta a sua Palavra, medita-a no coração, indaga o seu sentido e vai conformando a sua alma ao projeto de Deus. Sobretudo quando Jesus começa a encontrar dificuldades e contestações, ela está presente partilhando as vicissitudes do brotar desta nova semente para a humanidade. E, de modo especial quando Jesus é acusado, condenado, torturado e caminha em direção à morte, lá está a Mãe misericordiosa, de coração trespassado mas fiel, ao lado do inocente que assume o destino de todos os injustiçados desta terra. Uma mulher de presença, de fidelidade absoluta, de amor provado e silencioso, de luta pacífica por um mundo novo, fonte de esperança no poder de Deus, para além de todas as experiências trágicas da dor, da opressão, da injustiça e da morte.
É nessa atitude solidária com os que sofrem, junto à cruz de Jesus, que ela ganha o título de Mãe da Igreja e da Humanidade. Sobretudo ao lado dos que sofrem ela torna-se primogenitora de quantos não se dobram à opressão, nem respondem à violência com mais violência e destruição, mas assumem livremente estar junto a todas as cruzes, assumindo solidariamente a dor de quantos sofrem e trabalhando ativamente para a edificação de um mundo livre da opressão e marcado pela justiça, a fraternidade e a paz.
É na atitude de Mãe da nova humanidade, a Igreja, que a encontramos junto aos discípulos na espera e no acolhimento do Espírito, antes do Pentecostes, do mesmo modo que continua a acompanhar a Igreja ao longo dos séculos. Nestas duas semanas, na imagem da Virgem peregrina de Fátima, continuou esta sua missão.
Passou nas nossas estradas onde corremos para o trabalho, estudo ou lazer e por onde regressamos cansados, desiludidos ou reconfortados e esperançados. Passou pelas nossas cidades e nas ruas dos nossos bairros, diante dos supermercados onde fazemos compras, dos restaurantes onde celebramos festas, dos cafés onde encontramos os amigos, dos centros médicos e instituições onde somos assistidos, das sedes da autoridade local onde se procuram caminhos de convivência e de progresso, dos serviços de ordem e defesa do bem comum, das nossas casas onde encontramos amor e carinho, mas também, tantas vezes, divisão, e dramas de incompreensão, incompatibilidade e opressão… Ela veio mostrar-nos que a nossa realidade de todos os dias não está fora do olhar misericordioso de Deus. Em tudo isto Ele está presente.
Certamente que a Virgem peregrina sorriu de modo muito especial, ontem, ao descer de guindaste no pátio da prisão de Setúbal, numa visita particularmente materna àqueles que ali vivem. Ela veio afirmar quanto os preza, para além de todos os percursos sinuosos de qualquer vida humana, de quanto aprecia os esforços dos que colocam a própria competência profissional ou oferecem voluntariamente o seu tempo para alimentar esperança, com dignidade e justiça e colaborar na integração social. Certamente que ela não deixou de olhar também com preocupação para as condições degradadas desta estrutura e de encorajar os projetos e esforços para a sua renovação e dignificação, que ajudem a uma séria recuperação das pessoas. Quem dera que este fosse um fruto desta visita da Senhora que infunde esperança!
Neste seu peregrinar entre nós, ela conduziu-nos às nossas Igrejas: veio escutar con-nosco a Palavra de Deus e rezar com as nossas comunidades, ajudando-nos a olhar toda a vida com os olhos do Pai do céu. Veio assim dizer-nos que a fé autêntica nunca é alienação do povo, mas, bem pelo contrário, é fonte de liberdade, de generosidade e de compromisso transformador. Que o Evangelho é a verdadeira revolução da dignidade, da justiça, da fraternidade, da misericórdia e da paz, abrindo-nos a uma esperança nova, para além de todas as crises e conflitos, que vai mesmo para além da própria morte.
3. Uma manifestação de solidariedade, de respeito e de convergência
Acompanhando diariamente algumas etapas desta peregrinação de Maria pela nossa terra, fui por ela conduzido a olhar para as dificuldades que tantos de nós enfrentam, de pobreza, de exclusões e solidão, de dependências, exclusões e frustrações. Mas vi também brilhar em tantos olhares, em tantos comentários e atitudes, a chama da esperança, a criatividade da solidariedade, a decisão do compromisso e do serviço generoso para transformação das nossas cidades e do nosso mundo.
A visita da Virgem foi bênção e encorajamento para tantos centros sociais das paró-quias, da Cáritas, das Misericórdias, e de inúmeras outras associações cívicas e solidárias, que atestam um formidável espírito de solidariedade das comunidades cristãs e da nossa população, com uma multidão enorme de voluntários/as que dão atenção aos que mais precisam, às crianças, aos anciãos, aos deslocados. Certamente que a Virgem se revê, ela própria, no serviço generoso destas pessoas e cobre de bênção os seus esforços.
Na organização desta peregrinação da imagem de Fátima, para além das orientações e atenção do D. Gilberto e da direção dinâmica do Pe. Sezinando, é bem bom poder constatar e salientar o incansável cuidado dos nossos párocos e diáconos, a presença e compromisso dos grupos pastorais e movimentos, a ativa participação dos nossos jovens, a começar pelos escuteiros de todas as idades, a adesão de verdadeiras multidões nos percursos e nas Igrejas. Além disso, nas caminhadas destes dias, tomaram parte inúmeros irmãos e irmãs que não frequentam muitas vezes as nossas assembleias. Certamente que Maria olhou para eles com particular atenção e carinho, com um convite materno para que se unam a todos os seus filhos e filhas, para podermos construir juntos esta nossa Igreja e anunciar com criatividade e credibilidade o Evangelho da vida e da esperança. A fé nasce no íntimo do coração de cada pessoa, mas leva aquele que é transformado a criar comunidade, pois só assim se realiza o projeto de Deus.
Ela que conhece os corações, não deixou de reparar, apreciar e agradecer a atitude respeitosa daqueles que não têm talvez dela conhecimento ou pensam de modo diferente. Quero agradecer a toda a população desta nobre península o civismo e o respeito com que decorreram as manifestações religiosas destas duas semanas. Que este seja um sinal maduro de verdadeira democracia e de apreço pela diversidade e liberdade, na construção do nosso país.
Gostaria de agradecer, de modo muito especial às autoridades autárquicas, às forças armadas e de ordem pública (GNR e Polícia) e outras entidades e organizações (com especial relevo para as diversas corporações de bombeiros). Nesta cidade de Setúbal é-me particularmente grato ressaltar e agradecer a preciosa e generosa colaboração da Câmara Municipal, das autoridades portuárias e outras entidades públicas, com destaque para as forças da ordem. A excelente e competente colaboração de todas estas entidades tornou possível a realização da peregrinação da imagem peregrina por terras sadinas e o seu caráter pacífico, seguro e ordeiro. Também este é um sinal de saudável entendimento e de reunião de esforços na construção da nossa casa comum, no nosso país e no mundo.
4. Uma peregrinação a continuar
Gostaria de concluir com alguns traços que me parecem mais evidentes, nesta visita que Deus nos fez ao longo destas duas semanas, através da peregrinação da imagem da Virgem de Fátima, que devem balizar o nosso caminho, como Igreja de Setúbal. Tudo se poderia resumir na perspetiva do CAMINHAR. É a dimensão primeira da fé, desde que o nosso Pai Abraão foi convidado a deixar a sua pátria, para herdar uma terra nova e iniciar um novo povo. Nós orgulhamo-nos da nossa tradição, mas não queremos ser um museu religioso. Não demos razão a quem pensa que isso de acreditar é coisa do passado ou de gente sem espírito moderno e científico. Pelo contrário, cada pessoa e o mundo de hoje precisam de sair de si mesmos de se abrir solidariamente aos outros e a Deus, o horizonte comum de sentido e de empenho na construção da casa comum da humanidade.
Maria é a mulher dos tempos de mudança. Os tempos estão a mudar rápida e radi-calmente. Não podemos responder aos desafios de hoje simplesmente com receitas do passado. A virgem de Nazaré é exemplo e guia dos que buscam novos caminhos, dos que querem construir uma igreja e um mundo mais humano e fraterno, à luz do projeto de Deus. Como ela, há que deixar-se guiar pelo Espírito para responder à realidade dos nossos dias com fidelidade e criatividade.
Para que este caminho seja possível e segundo o sonho de Deus, Maria indica-nos quatro atitudes fundamentais: Ela é, antes de mais, a caminheira da vida e da esperança, porque escuta a Palavra de Deus e se deixa guiar por ela. Escutar pessoalmente e escutar em comunidade esta Palavra é o que nos cria como povo de Deus. É esta Palavra que transforma o nosso coração e nos faz sonhar o sonho de Deus, percorrer os caminhos de Deus. Se queremos caminhar, temos necessidade de um roteiro comum que acenda e una os corações e indique a estrada. Esse roteiro é o Evangelho, a palavra de Deus que Maria conservava e meditava no seu Coração, guiada pelo Espírito Santo. É o Espírito que torna viva e atual a Palavra, mudando os corações e abrindo sempre novos caminhos para a Igreja.
Em segundo lugar, este encontro com a Palavra viva e transformadora de Deus não é algo de isolado. A fé parte do coração de cada um, mas nunca é simplesmente pessoal: forma a comunidade daqueles que partilham a fé, a esperança e a vida. Maria leva-nos sempre a Cristo e à comunidade. Nestes dias, ela reuniu multidões nas nossas assembleias e nas nossas caminhadas. Ela ensina-nos a caminhar juntos. Que saibamos continuar a seguir este apelo da comunidade. Não fiquemos em nossa casa a ver passar a procissão da Igreja e o cortejo da história. Isto de transformar a Igreja e o mundo é negócio de todos e só o podemos fazer juntos. Que esta nova etapa da vida da nossa Igreja de Setúbal possa contar com a presença ativa e fraterna de todos aqueles que se deixaram tocar, de perto ou de longe, pela passagem da Virgem Peregrina.
Em terceiro lugar, uma dimensão constante desta peregrinação foi a presença de Maria nos locais e situações problemáticos da nossa vida, do contato com as periferias existências do nosso ser pessoal e social. Esta solidariedade e proximidade para com os mais frágeis encontra-se já, e deve continuar a estar, no centro da nossa atenção, dos nossos compromissos e dos nossos esforços. Esta é a Igreja que Maria nos veio indicar com a sua presença; a Igreja que queremos continuar a construir, com o esforço generoso e dedicado de todos os corações de boa vontade.
Finalmente, vimos bem que Maria não ficou encerrada nos nossos templos. Ela rezou connosco lá dentro e conduziu-nos para fora, para a missão nas nossas cidades e convidou-nos a levantar os olhos para longe, para a missão do Evangelho no mundo inteiro. Não queremos que as nossas paróquias e igrejas sejam simples agências de serviços religiosos. Maria convida-nos a fazer delas pontos de partida para a missão, e centros de acolhimento fraterno para os que se deixaram tocar pela alegria do Evangelho. Levar a proposta de evangelho aos quatro cantos do mundo de cada povoação ou cidade, de todas as línguas e culturas, continua a ser o convite insistente do Senhor Ressuscitado que está no meio de nós e nos guia no caminho da missão.
Gostaria de terminar com uma palavra especial aos nossos jovens, que estão entre os que mais profundamente sentem os efeitos das crises, mas são igualmente quem tem melhores possibilidades de para inventar soluções novas e novos caminhos. Não vos deixeis vencer pelo desânimo! Não vos contenteis com olhar desiludidos para o nosso mundo! Participai antes com paixão na sua construção! Ponde-vos a caminhar com o povo, a ajudar a sonhar um futuro melhor, com alegria e imaginação. Não sejais simples vagões arrastados pelos outros, mas sede locomotivas da transformação da nossa Igreja. E, se algum ou alguma de vós sentir que Deus chama para segui-lo radicalmente e para oferecer a vida, consagrando-vos a Ele para servir o seu povo, não tenha medo. Esse é o sinal de uma predileção especial do Pai do Céu, que vos quer bem; é um projeto de alegria e bênção para vós e para aqueles a quem Ele vos enviar. Tendes exemplos bem claros, entre nós de homens e mulheres que vivem assim. Que Maria vos ensine o seu jeito de disponibilidade, de alegria e de serviço.
Que ela nos ensine a todos a dizer sempre com gosto: Eis a serva do Senhor, que aconteça em mim a tua Palavra.

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11 de Novembro de 2015