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Sugestões da Semana: “A fé e a ciência” – 24 a 30 de maio de 2020

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Esta semana, as propostas que nos chegam são do responsável da Pastoral Universitária de Almada, Padre Pedro Quintela, e focam-se na relação entre fé e ciência. Um livro, um filme, uma música, um recurso digital, uma atividade e um desafio para viver com fé os dias de isolamento. 

A fé e a ciência dão-se muito bem! Desde que quem tem fé tenha “juízo” e vice-versa! Na verdade, tanto há ideias, conceitos, preconceitos, argumentações irracionais, no âmbito de quem se apresenta como crente (por exemplo, nos “fundamentalistas” que se fixam na leitura literal da Bíblia), seja no mundo daqueles que se pretendem cientistas omniscientes (como nos materialismos e reducionismos ideológicos vários). De facto, mais do que falar-se em conflito entre a fé e a razão seria mais exacto, quando muito, reconhecer a irrazoabilidade de duas teimosias que podem surgir seja do lado duns, seja do lado doutros… Por conseguinte, seguem-se dois textos que colocam esta relação em termos sábios, sensatos e compreensíveis.

Jean Guitton (1901-1999), filósofo católico, conta, no livro Um Século uma Vida, um encontro com o Presidente da República francês, François Miterrand, agnóstico:

“—Você diz-me para escolher entre o absurdo e o mistério: eu compreendo-o. Mas os dogmas não são abusurdos?

Então respondi:

— Senhor Presidente, eu não tive o privilégio, como vós, de crescer num colégio cristão: a criança tem necessidade de certezas. É impossível não sofrer quando se percebe que os nossos mestres não têm a fé dos nossos pais. A dúvida, como a dor, não deveria desenvolver-se sobre os ramos frágeis. Vós fostes preservado. Eu estava exposto: aluno do liceu laico, obrigado, desde o décimo ano, a escolher. O paradoxo é que devo a esta experiência o desejo de nunca acreditar sem razão. Nesta aldeia onde agora nos encontramos a minha mãe disse-me: ‘Se queres ser cristão, tens o dever de ser inteligente’.

—Se eu o escutasse, disse então M. Miterrand, teria de optar pelo mistério.

—Não, não, senhor Presidente, disse-lhe eu. Não imediatamente, não directamente! Eu parto de Sartre e do absurdo: que farsa, esta vida e o seu resultado! É o absurdo do absurdo que me obriga apostar no mistério. Eu não digo, à primeira vista, sim: eu digo não ao não. Eu não vejo a verdade directamente: o que eu sinto é o erro do erro. Eu não admito de repente a sobrevivência: mas compreendo que o nada é absurdo, não tanto para mim mas para aqueles que amei.”

 

Georges Lemaître (1894-1966) foi um padre católico, astrónomo, cosmólogo e físico belga. A ele se deve a teoria científica que ficou conhecida como teoria da origem do Universo do Big Bang.

A hipótese de Lemaître estipula que todo o universo (não somente a matéria, mas também o próprio espaço) estava comprimido num único átomo chamado de “átomo primordial” ou “ovo cósmico”. O cientista-padre afirmava que a matéria comprimida naquele átomo se fragmentou numa quantidade descomunal de pedaços e cada um acabou se fragmentando em outros menores sucessivamente até chegar aos átomos actuais numa gigantesca fissão nuclear.

Mais exactamente dever-se-á dizer que Lemaître propôs uma teoria precursora do que hoje se chama Teoria do Big Bang, mais tarde desenvolvida por George Gamow. Essa teoria foi assim nomeada sarcasticamente durante uma transmissão de rádio na década de 1940 por Fred Hoyle, defensor da teoria do universo estacionário.

Todavia, não deixa de ser estranho que Lemaître seja um ilustre desconhecido para a maioria das pessoas. Porque não ganhou o prémio Nobel? Porque é que os estudantes não ouvem o seu nome nos liceus e na sua formação média nas universidades técnicas?…

“…Espero ter-vos demonstrado que o universo não está para além da capacidade do homem. 

É o Eden, é o jardim que foi posto à sua disposição para que ele o cultive, para que ele o olhe. 

O universo não é demasiado grande para o homem. Não excede as possibilidades da ciência, nem a capacidade do espírito humano. (…) Existem dois meios de se alcançar a verdade. Eu decidi seguir ambos. Nada na minha vida profissional, nada do que pude aprender nos meus estudos científicos ou teológicos fez-me mudar de opinião. Não tenho nenhum conflito para resolver. A ciência não abalou a minha fé na religião e a religião nunca me fez pôr em causa as conclusões que eu atingi pelos métodos científicos. (…) O cientista permanece um filho de Deus quando cada manhã coloca os olhos sobre o seu microscópio, e, quando na oração da manhã, é toda a sua actividade que coloca sobre a protecção do seu Pai dos céus. Quando ele pensa nas verdades da fé, ele sabe que todos os conhecimentos sobre micróbios, átomos ou estrelas não lhe serviram de socorro nem de perturbação para aderir à luz inacessível e que lhe faltará, como a qualquer homem, a tarefa de se fazer um coração de criança para entrar no reino de Deus. E assim fé e razão, sem mistura inconveniente nem conflito imaginário, unem-se na actividade humana.”

A Descoberta do Outro, de Gonçalo Corção. 

Clique, aqui, para ler. 

Gustavo Corção (1896-1978) foi um escritor e pensador católico brasileiro. 

Com formação em engenharia eletrotécnica (o primeiro do Brasil), obteve notoriedade no campo das ideias aos 48 anos, ao publicar o livro “A Descoberta do Outro”. Trata-se de um romance autobiográfico sobre a sua conversão ao catolicismo (acompanhado de perto por Alceu Amoroso Lima). Com efeito, estamos perante um livro muito perspicaz no descrever dos impasses e becos de uma vida sem Deus, das dificuldades racionais de quem se pretende sê-lo na sua máxima expressão, mas amputando o real porque recusando o mistério, da reformulação do conceito de razão, de inteligência, de verdade… perpassado pelo grande humor ao descrever a sua história e na imensa beleza ao evocar a descoberta de Deus, esse Outro que Corção demandava. Sob a influencia de G.K. Chesterton e Jacques Maritain a sua produção literária e o seu estilo foram considerados por muitos ao nível de Machado de Assis, o mais importante autor clássico do Brasil. Aliás, a excelência da sua escrita fez com que fosse nomeado para o nobel da literatura, por sugestão de um outro grande nome da cultura brasileira, o poeta Manuel Bandeira. Embora com um final de vida algo amargurado, e muito fechado sobre si mesmo, seria muito bom que abríssemos este maravilhoso livro e fruíssemos da sua verdade.

O Lado Selvagem, de Sean Penn (2008)

Em 1990, com 22 anos e recém-licenciado, depois de ter sido um excelente aluno, Christopher McCandless, doa todo o seu dinheiro a uma instituição de caridade, muda de identidade e decide viver uma vida longe do materialismo do quotidiano. Abandona, assim, a próspera casa paterna sem que ninguém o saiba e aventura-se pela estrada fora. Desconfiado das relações humanas e influenciado pelas suas leituras, que incluíam Tolstoi e Thoureau, ansiava por chegar ao Alasca onde poderia estar longe do homem e em comunhão com a natureza selvagem e pura… A história vai-se desenrolar de um modo insólito, ou pelo menos não desejado por quem vê o filme. De facto, não teremos um happy end

Poderá então surgir a pergunta, porquê este filme a propósito da relação fé e ciência? Porque todo ele é uma interrogação sobre o que se aprende na universidade e a sua insuficiência. Também, e sobretudo, sobre as ambições das famílias, por vezes fixadas em que os filhos disponham de um curso universitário que sirva de garantia profissional mas muitas vezes muito longe do sentido e de um significado que preencha a vida. O filme é, assim, um impressionante testemunho de ausência e carência desse mesmo sentido. Principalmente, ausência de quem testemunhe sentido para a vida o que vai bem mais longe do que a ciência das universidades consegue ensinar…

O Canto dos Pássaros, de Olivier Messien

Na semana em que se festeja um ano da encíclica Laudato  do Papa Francisco sobre a ecologia total (24 de Maio de 2019), uma chamada de atenção para a obra do genial compositor contemporâneo Olivier Messien. Crente com todo o seu ser (“A minha fé é o grande drama da minha vida. Sou um crente, pelo que assim canto as palavras de Deus para aqueles que não têm fé” ou “o coração da pessoa humana é um abismo que só pode ser preenchido pelo que é santo”), homem de grande competência cientifica na sua área, dedicou grande importância a transcrever os cantos das aves para orgão (“Na hierarquia artística as aves são os maiores músicos que existem à face da terra”). Música difícil para os nossos ouvidos, hoje em dia mais habituados aos ruídos dos festivais (mesmo num ano em que não os teremos), aqui fica, no entanto, um pequeno percurso em torno do mundo dos pássaros que culmina na Missa de Pentecostes (composta em 1951) e que integra numerosos cantos de pássaros, sobretudo no quarto movimento (Comunhão).

Oiça tudo aqui, aqui e aqui.

  1. Programar o telemóvel para tocar todos os dias às 12h00 para rezar o Angelus e no Tempo Pascal o Regina Caeli.
  2. Programar o telemóvel ou o computador para receber diariamente a notificação do Evangelho diário.
  3. Ter acessível uma Bíblia online.
  4. Para quer descobrir e começar a ser fiel à oração da Liturgia das Horas, descarregar o iBreviary (Google Play ou App Store)

Ver “Porque a Beleza importa?” do filósofo Roger Scruton

Grande pensador contemporâneo, sobretudo um pensador não “homologado e calibrado” pela cultura dominante, há pouco falecido e de grande relevo na promoção de uma cultura que partilha de um entendimento das coisas próximo do sentido do Evangelho.

Na verdade, somos chamados a ter uma perspectiva “católica” da nossa fé: esta dialoga com a ciência e está aberta ao mundo e a todas as manifestações do humano. Manifestações autênticas do humano como diz São Paulo na carta aos Filipenses (4.8): “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama,… é isso que deveis ter na mente”… De facto, que não sejamos amputados de um olhar que abrace a realidade toda e que não se fixe apenas em competências técnicas ultra-especializadas que deixam escapar a relação com o “todo” da existência, com particular atenção para o tema da Beleza, porque, no encontro com a verdadeira beleza, o homem regressa a casa… 

Assistir aqui.

Ler a carta encíclica “Fé e Razão” de São João Paulo II. 

Para enriquecer a nossa reflexão sobre a relação Fé e Ciência aqui fica o desafio de dedicarmos um pouco da nossa atenção a este grande texto do seu magistério

«[Galileu] declarou explicitamente que as duas verdades, de fé e de ciência, não podem nunca contradizer-se, “procedendo igualmente do Verbo divino a Escritura santa e a natureza, a primeira como ditada pelo Espírito Santo, a segunda como executora fidelíssima das ordens de Deus”, segundo o que escreveu na sua carta ao Padre Benedetto Castelli, a 21 de Dezembro de 1613. O Concílio Vaticano II não se exprime diferentemente; retomando mesmo expressões semelhantes, quando ensina: “A investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo (…) segundo as normas morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus” (GS, 36). Galileu manifesta, na sua investigação científica, a presença do Criador que o estimula, que Se antecipa às suas intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu espírito».

 

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23 de Maio de 2020