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“Setúbal, Peregrina da Esperança”: Carta de D. Américo Aguiar para o Ano Pastoral 2023-2024

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1. A TODOS os que lerem esta minha primeira carta pastoral, membros desta porção do Povo de Deus que vive em Setúbal, homens e mulheres de boa vontade: a graça e a paz de Cristo Vivo esteja com todos vós.

Permitam-me que me dirija a TODOS os que residem neste território sadino: crentes e não crentes; católicos e membros de outras igrejas irmãs e de outras confissões religiosas; sacerdotes e diáconos, consagrados, religiosos e religiosas, seminaristas; migrantes, sãos, doentes e as pessoas com deficiência; os trabalhadores, os empregadores, e os que estão em situação de desemprego; os reclusos. A todos quero saudar de forma pessoalíssima, com um coração de pastor que quer chegar a todos e como portador de uma mensagem de alegria e de esperança em Cristo ressuscitado.

O povo de Deus que habita este território prepara-se para celebrar os 50 anos da Diocese de Setúbal no ano 2025. Esta celebração decorrerá em pleno Ano Santo Jubilar, convocado pelo nosso querido Papa Francisco, cujo lema será «Peregrinos de Esperança». Gostaria hoje de pensar em Setúbal assim, como «Peregrina da Esperança»: grata pelo que percorreu, mas a caminho de um futuro maior.

Convosco quero conhecer, escutar, amar e servir Setúbal. Quero conhecer cada um de vós! Coloco-vos este desafio: um Pastor e o seu rebanho, que juntos continuam a escrever a história desta Diocese, em memória agradecida e em caminho sinodal. Aceitam-no?

Conhecer com memória agradecida

2. Setúbal prepara-se para celebrar com gratidão os 50 anos de uma história que Deus tem vindo a escrever com tantas pessoas desde aquele bendito 16 de julho de 1975, quando São Paulo VI criou a diocese com a bula Studentes Nos (Cf. AAS 67 (1975), 516-518). A Diocese de Setúbal surgiu então, coincidindo praticamente com a Região Pastoral de Setúbal, anteriormente formada no Patriarcado de Lisboa em 29 de maio de 1966. Esta Região Pastoral havia sido cuidadosamente preparada pelo então cónego João Alves — futuro bispo de Coimbra — para se tornar uma nova Diocese em Portugal, juntamente com a Diocese de Santarém, criada no mesmo dia. A nova Diocese contava então com 4 vigararias: Setúbal, Almada, Barreiro e Montijo.

Tinha eu quase dois anos quando o mesmo Papa São Paulo VI escolheu o padre Manuel da Silva Martins, meu conterrâneo de Leça do Balio, para primeiro Bispo da nova diocese sadina. Veio da minha querida diocese do Porto, onde era até então Vigário-Geral.

O primeiro Bispo de Setúbal foi ordenado a 26 de outubro de 1975 na Catedral de Setúbal. Afirmou nesse dia: «nasci bispo em Setúbal, agora sou de Setúbal». Em Setúbal permaneceu até ao dia 23 de abril de 1998, data em que o Papa São João Paulo II aceitou o seu pedido de resignação. Nesse mesmo dia foi nomeado o segundo Bispo de Setúbal, o Senhor Dom Gilberto Canavarro dos Reis, nascido em Barbadães de Baixo, Vila Pouca de Aguiar, Diocese de Vila Real e que era, à data da nomeação, Bispo auxiliar do Porto. Tomou posse a 21 de junho de 1998. A 24 de agosto de 2015 0 Papa Francisco aceitou a sua renúncia e, simultaneamente, nomeou o terceiro Bispo de Setúbal, o Senhor Dom José Ornelas de Carvalho, SCJ. A 25 de outubro de 2015 foi ordenado bispo e tomou posse canónica. Foi bispo residencial até ao dia 28 de janeiro de 2022, data em que foi transferido para Leiria-Fátima, ficando Setúbal em sede vacante. Neste período, a Diocese sadina esteve confiada ao Padre José Lobato como Administrador Diocesano, até à minha tomada de posse canónica como quarto Bispo de Setúbal no dia 26 de outubro de 2023.

Ao longo destes 48 anos de vida diocesana, muitos foram aqueles que serviram Cristo nesta Igreja. Queremo-nos preparar para celebrar todos os homens e mulheres que aqui dedicaram a sua vida, na diversidade de carismas e estados de vida, na pastoral e na caridade a este povo sadino. Por este motivo desafio toda a Diocese a retomar a bela experiência da peregrinação diocesana a Fátima, interrompida pela pandemia, na preparação da celebração do 50.º  aniversário da Diocese no dia 26 de outubro de 2024, aniversário da ordenação episcopal do primeiro bispo de Setúbal.

3. «A evangelização é dever da Igreja» [1] . Estou muito grato a Deus pela dedicação dos meus antecessores e peço ao Senhor que me ajude, com o meu querido presbitério de Setúbal — clero diocesano e religioso — a termos o «cheiro das ovelhas» na evangelização, para sermos uma igreja em saída que anuncia Cristo Vivo. Neste caminho espero a colaboração de todos, todos, todos, para levarmos a cabo, com memória agradecida, uma nova evangelização. O Senhor Dom Gilberto já nos tinha feito este desafi0 [2] . Como é atual este convite! Precisamos de continuar a anunciar Cristo Vivo a todos: os que conservam sinceramente a fé católica embora não participem na vida e celebrações da Igreja; os que são batizados e já não professam a fé e os que desconhecem Jesus Cristo e o Seu Evangelh0 4 . Precisamos de formar os nossos cristãos e anunciar Cristo aos que o desconhecem, em particular os que vivem em situação de pobreza, exclusão e fragilidade.

Para este fim, torna-se necessário repensar e reativar várias dimensões da nossa pastoral diocesana. Sem querer ser exaustivo, penso na preparação dos catecúmenos e na catequese contínua e sistemática dos adultos; na situação particular do catecumenato matrimonial e da pastoral familiar; na pastoral no mundo do trabalho; na ação sócio-caritativa, tanto ao nível diocesano como paroquial.

Nestes quase 50 anos de vida pastoral muitas transformações sociais, económicas, geográficas, demográficas com novas centralidades urbanas e novos aglomerados de vivência populacionais. Também novas vias de comunicação terrestres foram surgindo. Por isso, gostaria de desafiar a que, neste 50.º aniversário, se preparasse, com um grupo interdisciplinar, um novo mapa da geografia das paróquias e das vigararias. Esse será um instrumento fundamental para uma pastoral diocesana mais eficaz e atualizada e, como nos desafia o Papa Francisco, sempre no espírito duma pastoral de conversão das paróquias e das estruturas diocesanas.

Escutar, na oração, a voz de Deus para celebrar o Ano Jubilar 2025

4. 0 50.ºAniversário da Diocese de Setúbal coincidirá com a celebração do Jubileu 2025 da Igreja Universal. A feliz coincidência destes dois jubileus significa que não podem não ser celebrados em conjunto. Assim, a Igreja diocesana participará nas propostas jubilares, ainda por divulgar pela Santa Sé, também como celebração do seu aniversário particular.

Entretanto, enquanto o Jubileu 2025 não se concretiza, existe um trabalho de preparação durante o presente ano pastoral. O nosso querido Papa Francisco desafiou a que o ano de 2024, como tempo de preparação para o Jubileu, fosse dedicado a «uma grande “sinfonia” de oração», «um ano intenso de oração» [3] . Queremos como Diocese aceitar e promover esta missão espiritual, para que todos nas suas comunidades preparem o Jubileu Universal e Diocesano — na oração.

O Papa Francisco convocou também a 1.ª Jornada Mundial das Crianças, para os dias 25 e 26 de maio de 2024, em Roma. Gostaria de que a nossa Diocese estivesse representada neste encontro com um contingente de crianças que fosse espelho da diversidade geográfica e social da nossa Igreja.

O rosto do amor é a Juventude

5. Somos chamados a escutar, a conhecer, mas, também, a amar. Gostaria de propor a juventude como rosto do amor. A Jornada Mundial da Juventude foi uma experiência desse amor de Cristo Vivo e Jovem. Assim foi vivida em Setúbal na sua preparação e vivência. Assim pode ser agora na sua pós-vivência.

Tenho proposto aos jovens que discirnamos juntos os sonhos de Deus para nós. Foi a estes que o Santo Padre se referiu em Lisboa, ao desafiar-nos a sermos «empreendedores de sonhos» [4] . Esta pós-Jornada é num tempo de escuta, partilha, diálogo e discernimento dos sonhos de Deus. Começámos este caminho com um encontro de auscultação aos jovens, em novembro. Os jovens são o rosto da sinodalidade que queremos viver e é sobretudo com eles que queremos escutar e acolher a voz do Espírito. «A pastoral juvenil só pode ser sinodal» 7 . Fazer caminho sinodal da juventude rumo a 2025 é um convite a deixar comover os nossos corações com a vida dos jovens que já escrevem a vida da Igreja, da nossa Igreja diocesana.

A alegria exuberante da experiência da JMJ traz-nos responsabilidades e desafios. Como é fundamental agora, mais que nunca: a presença dos jovens nos espaços vitais da comunidade cristã; o encontro com o Senhor Jesus numa oração comunitária onde os jovens se sentem amados e protegidos; a missionaridade, em saída, partilhando vida como enviados por Jesus a todos; a necessidade de alcançar outras realidades juvenis, outros jovens que ainda nem sonham que são amados por este Senhor; agarrar a grandeza da verdade de Jesus ser Igreja no serviço; amar verdadeiramente os jovens, acolhendo-os de coração aberto e disponível para os escutar na riqueza da sua vivência concreta; integrar os jovens na animação e na liderança da vida das comunidades cristãs; valorizar compreensões diferentes de aprofundamento da fé nas mais variadas áreas da atualidade juvenil, como a comunicação, as artes, o desporto e o mundo digital; formar e motivar os jovens para a missão laical de santificar o mundo pelo seu compromisso com a vida académica, social, laboral e familiar.

6. Agora dirijo-me a vós, queridos jovens: o caminho sinodal juvenil que se avizinha só tem sentido se sustentar a vossa dimensão pessoal e vocacional. As Jornadas Mundiais de Lisboa levaram-vos a encontrarem-se profundamente com Jesus e a fazerem uma experiência inesquecível de Igreja. Agora, partindo desse coração que arde (cf. Lc 24, 32), cada um deve aprofundar a consciência de que Jesus conta com cada um de vós de forma concreta e chama cada um pessoalmente pelo seu nome a comprometer-se, não só em Igreja, mas a entregar-lhe a vida. É preciso escutar, conhecer e amar o plano que Ele te reserva. Foi disto que nos falou o Papa Francisco na Colina do Encontro: «Deus ama-me, Deus chama-me»[5] . Muitos na nossa Diocese já percorreram este caminho e fizeram seu o «sim» de Maria. Pela fé, muitos casaram e vivem o Matrimonio segundo o coração de Jesus. De muitas formas, no meio do mundo, pela sua fidelidade e amizades, pelo trabalho e compromissos sociais, políticos e culturais, dão testemunho de Jesus. Outras mulheres e homens aceitaram com generosidade o chamamento a uma consagração especial. Estas pessoas devem ser uma provocação para cada um de vós, jovens. Ser freira ou frade, monge ou monja é uma possibilidade bem real para a vossa vida nos tais «sonhos de Deus».

7. Não esqueço o nosso Seminário! O Dom Manuel Martins fez questão de o fundar em 1992 e os frutos estão patentes. A minha certeza é que Jesus continua a chamar rapazes para o seguirem como padres diocesanos e que muitos deles assim o sentem, mas falta-lhes a coragem para darem o passo. Força! Batam à porta do Seminário! Não vos faltará resposta.

A todos os que se atrevem a caminhar juntos com Jesus e em Igreja, a pensar a vossa vida segundo o plano de Deus e não segundo o plano do mundo, a esses valentes digo: Não tenham medo! Não estão sós. Estamos todos na «Barca de Jesus». Todos e unidos.

Servir em Caminho Sinodal

8. Não é só com os jovens que quero percorrer um caminho sinodal. Na verdade, este ano pastoral decorre entre os dois momentos da XVI Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos (outubro de 2023 e outubro de 2024), dedicada ao tema da sinodalidade. A preparação da Igreja universal para estes dois momentos passou por uma auscultação inédita ao Povo de Deus, que foi também vivida na nossa Igreja de Setúbal. Amigos, é um erro pensar que o tema da sinodalidade terminou assim que a Igreja Diocesana entregou a sua síntese. Pelo contrário, o Papa Francisco tem querido mostrar que o Sínodo não é tanto um evento pontual de encontro dos Bispos, mas sim um processo ou caminho contínuo de toda a Igreja: «a sinodalidade é um estilo, é caminhar juntos, e é isto que o Senhor espera da Igreja no terceiro milénio» [6] . Por isso, não nos podemos contentar com o mero acompanhamento à distância dos trabalhos que decorrem agora em Roma! Isso seria perder completamente de vista a lógica deste caminho. De facto, «o primeiro nível de exercício da sinodalidade concretiza-se na Igreja particular»[7][8] Acompanharemos e corresponderemos às recentes orientações emanadas pela nossa Conferência Episcopal.

Este ano pastoral é um tempo de urgência para recuperar ou melhorar o trabalho de algumas estruturas de corresponsabilidade na vida diocesana. Não obstante a existência de estruturas como o Conselho Presbiteral e o Colégio dos Consultores, a Diocese de Setúbal carece de um Conselho Pastoral Diocesano, que é a «principal forma de colaboração e de diálogo, bem como de discernimento, a nível diocesano» [9] . No contexto do processo sinodal que vivemos, é mais que conveniente que neste ano pastoral se possa formar e pôr ao serviço da Igreja este Conselho.

A Igreja Diocesana não poderá, porém, adotar um rosto mais sinodal se o mesmo não se for moldando também ao nível paroquial. O Conselho Pastoral Paroquial é a estrutura privilegiada em que «os membros da comunidade clérigos, religiosos e leigos exercem a sua corresponsabilidade relativamente à ação pastoral da Igreja, no âmbito da paróquia» [10] . Em muitas das nossas paróquias este Conselho não está erigido e em muitas das restantes não funciona regularmente. Assim, não obstante o caráter opcional que lhe confere o presente Código de Direito Canónico [11], é meu desejo para este ano pastoral que todas as paróquias formem o seu Conselho Pastoral Paroquial ou, caso já exista, reflitam sobre o modo como nele se exerce ou não verdadeiramente a sinodalidade. Será necessário também encontrar formas estáveis de coordenação e colaboração entre os Conselhos Pastorais Paroquiais e o Conselho Pastoral Diocesano.

A Santa Maria da Graça nos confiamos

9. Ave Maria, Mãe de Deus e Mãe dos Homens, Santa Maria da Graça, Mãe de Setúbal. Colocamo-nos aos teus pés para contigo aprendermos a conhecer, a escutar, a amar e a servir. Ensina-nos a ser discípulos do teu Filho Jesus Cristo, o Cristo Vivo, que é o nosso Senhor. Tu, disponível e livre aos pés de Deus, és o maior exemplo de discipulado. Gratos pelo teu «sim», queremos contigo escutar a voz de Deus e partir apressadamente em direção aos seus sonhos. Esta tua pressa, que continua a alimentar-nos mesmo depois desta Jornada Mundial da Juventude, é a pressa de levar o Cristo Vivo a todos, todos, todos. Queremos contigo viver a inquietação da saída, como gente desinstalada, «estrangeiros e peregrinos» (IPe 2, 11), «peregrinos da esperança».

Rezemos pelo Papa Francisco, rezem por mim, rezo por todos, todos, todos… Abraço fraterno.

Setúbal, 17 de dezembro de 2023

Domingo III do Advento, Domingo da Alegria

87 2 Aniversário Natalício do Papa Francisco

Cardeal Américo Aguiar

Bispo de Setúbal


Notas:

[1] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), 111.

[2] Cf. Dom Gilberto Reis, Carta Pastoral Setúbal, convoco-te para a Missão, 21 dejunho de 2001. 4 Cf. Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), 14.

[3] Francisco, Carta ao Arcebispo Rino Fisichella pelo Jubileu 2025, 11 de fevereiro de 2022.

[4] Francisco, «Encontro com os Jovens Universitários», 3 de agosto de 2023. 7 Francisco, Exortação Apostólica Christus Vivit (2019), 206.

[5] Francisco, «Cerimónia de Acolhimento», 3 de agosto de 2023.

[6] Francisco, «Discurso aos Membros da Comissão Teológica Internacional», 29 de novembro de 2019.

[7] Comissão Teológica Internacional, A Sinodalidade na Vida e na Missão da Igreja (2018), 77.

[8] Conferência Episcopal Portuguesa, Processo Sinodal até outubro de 2024 – Como ser Igreja Sinodal em Mlssão?.

[9] São João Paulo II, Exortação Apostólica Christifideles Laici (1988), 25.

[10] Dom Gilberto Reis, Estatutos-Modelo para os Conselhos Pastorais Paroquiais, art. 2. 2 16 de julho de

[11] Cf. cânone 536 SI.

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18 de Dezembro de 2023