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O seu a seu dono

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Um jogador da minha terra – e a minha terra foi um viveiro de conhecidos nomes no mundo do futebol – apresentou-me uma vez um livro com a sua biografia. O seu nome não interessa neste momento, chamar-lhe-ei simplesmente Xico. Ao ver o livro com a fotografia e o nome do Xico naturalmente congratulei-me com ele. A minha estupefacção, porém, obrigou-me a continuar o diálogo: “Olha, Xico, foste tu que escreveste este livro?”

 
A resposta à minha dúvida derivada da sua reconhecida dificuldade em fazer-se compreender quando o entrevistavam surpreendeu-me: “Sim, sou eu o autor, não vê aqui o meu nome?” Insisti: “Mas como fizeste isso?” Explicou-me então: “Bom, a iniciativa não foi minha. Um tipo da editora X veio falar comigo e propôs-me a publicação de um livro com a minha vida. Ele me ajudaria. Perguntou-me quais os episódios mais importantes de que eu me recordava, tomou notas num bloco, tirou-me umas fotos e aos meus lugares de infância e disse-me que voltaria. Trouxe-me mais tarde as folhas escritas no computador, já com as fotos colocadas e disse-me para eu ler e ver se tudo estava certo. Quem me leu esse trabalho foi afinal a minha irmã e apenas parte. Penso que ela corrigiu algumas passagens do livro. Finalmente o livro foi-me entregue pelo tal escritor da editora que me disse – “aqui tem o seu livro”. Portanto o livro é meu, sou eu o autor”. “Muito bem”, respondi ao Xico, e fiquei a pensar num prato que a minha irmã cozinhou quando me juntei com alguns amigos numa festa da comunidade. Perguntei-lhes: “Gostam do meu prato? É saboroso ou não?” “Excelente cozinheiro és tu, Manel”. Eles não sabiam que eu só tinha pelado as batatas, picado a cebola e comprado as especiarias pedidas. Pouca coisa, de facto, mas nada lhes disse.
Vem isto a propósito de certos casais que querem ser pais mas a natureza dos seus corpos não permite ou talvez não se disponham a atravessar os incómodos de uma gravidez. Acontece, de facto, o ventre feminino não suportar o desenvolvimento de um feto ou nem mesmo permitir a união ovular. Nestes casos contra vontade, e lamentando, o casal não tem filhos. Mas pode acontecer igualmente que a mulher não queira arriscar a gravidez, ou a recuse com medo dos desconfortos, indisposições, mal-estar e trabalhos de gestação, ou com receio dos atrasos para a sua carreira profissional, ou mesmo temendo as consequências para o seu aspecto físico, embora desejando sempre o seu estatuto de mãe. Nestas circunstâncias a ciência médica sugere que seja outra mulher, contratada e devidamente paga, que receba o produto seminal masculino e deixe desenvolver-se dentro de si o embrião que tiver surgido. Claro está, que, por prévio contrato, esse nascituro não será considerado filho do ventre alugado mas sim filho da tranquila ou impossibilitada mãe que assume os encargos financeiros de toda a operação. Que dirá a natureza a esta trapalhice emotiva-jurídico-financeira? Certamente vai revoltar-se e não deixará ninguém em paz: nem filho, nem pais falsos, nem mãe verdadeira, nem traficância, nem legislador. Tudo fica baralhado na mente de todos, principalmente na do mais interessado em conhecer a sua verdadeira mãe.

P. Manuel Soares

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06 de Fevereiro de 2012