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Fazer caminho: testemunho de um jovem peregrino de Santiago

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Em Ano Jacobeu (ano jubilar de Compostela), a equipa do Secretariado Diocesano do Movimento dos Convívios Fraternos peregrinou até Santiago de Compostela pelo Caminho Português. Publicamos o testemunho de um dos jovens peregrinos.

 

Fazer caminho é abandonar-se. Pelo menos foi desta forma que encarei o Caminho de Santiago. Nunca tendo despertado em mim qualquer desejo de fazer peregrinação a pé, encarei o desafio como uma forma de abandono à vontade de Deus. Não sabia o que esperar, não sabia se seria capaz: sabia que, mais uma vez, o Senhor me chamava a encontrá-lo, e para isso coloquei-me nas Suas mãos.

Fazer caminho é confiar. Para quem tem medo do desconhecido, como é o meu caso, confiar é necessário. Confiar n’Aquele que tudo pode, confiar em quem nos acompanha e confiar nos sinais que nos vão apontando o caminho. No início, são muitas as incertezas. Uma indicação que não vemos, um longo troço sem setas, um trilho mais difícil: rapidamente ansiamos e duvidamos, mas, com o tempo, vamos percebendo que nunca somos deixados e sempre amparados.

Fazer caminho é deixar guiar-se. Nem todo o caminho é agradável e muitas vezes nem é aquilo que parece ser. As aplicações de georreferenciação, os medidores virtuais de passos, os marcos que anunciam os quilómetros baralham-nos, deixam-nos frustrados com as nossas próprias expectativas e, no fundo, afastam-nos daquilo que é verdadeiramente relevante: o caminho é aquilo que tem de ser. Com as suas subidas e descidas, curvas e contracurvas, com sombras frondosas ou terrenos áridos, com estradas de alcatrão ou caminhos pedregosos: tudo faz parte, tudo é caminho, como na vida.

Fazer caminho é estar atento aos sinais. A árvore que não conhecemos, a flor de que nunca ouvimos falar, a borboleta colorida, o grafiti inusitado, a igreja ancestral. O caminho é um encontro invulgar entre Deus e o homem, a natureza e a construção humana, a criatividade e o pragmatismo. Uma fonte de sinais revelada apenas aos mais atentos. Cada passo percorrido tem potencial para nos mostrar verdades escondidas, perguntas, respostas ou pelo menos pistas para um novo caminho. Serão revelações de Deus?

Fazer caminho é sofrer. Na minha preparação para Santiago, o que mais me preocupava era o sofrimento e por isso muni-me de todos os equipamentos, produtos e fármacos que consegui para evitar a dor. Alguns resultaram, outros não. Mas quando a dor nos atinge (a mim atingiu bem), parece que nada é capaz de se sobrepor ao sofrimento. Ao terceiro dia de peregrinação, a dor física tornou-se permanente e com ela o desespero e até algumas ideias de desistência começaram a surgir. Com o tempo, percebi que recusar a dor estava a deixar-me lento, a tornar o caminho insuportável, no fundo, a atirar-me para fora dele. Por isso, decidi abraçar a dor: acolhê-la como parte do caminho, diria eu agora, uma parte essencial. Em inúmeros produtos de merchandising que encontrei em Santiago de Compostela estava inscrita a frase “Sem dor, não há caminho”: uma mensagem bem recebida pois a dor não só faz parte como também tem um efeito transformador e impulsionador a fazer mais, a ser mais, a caminhar mais.

Fazer caminho é fazer silêncio orante. O silêncio pode ser intimidante, mas em caminho pode ser reconfortante. No meu caso, alguns dos silêncios foram momentos de encontro com Deus, de diálogo, de escuta, de reconciliação. De conversão. São muitas as razões que levam peregrinos a Santiago, algumas sem qualquer motivação espiritual. Agora que fiz, parece-me manifestamente pouco. A fé é o combustível para muitas almas, incluindo a minha, pelo que estes momentos foram fundamentais para encontrar o caminho.

Fazer caminho é partilhar em alegria. O caminho não se faz sozinho e graças a Deus tive a oportunidade de vivê-lo com as pessoas certas, pequenos sinais de Cristo na Terra. As alegrias e as dificuldades do dia a dia eram partilhadas, num processo de conhecimento mútuo e também de autoconhecimento. Foram oito dias (cinco a andar e três de viagem) de franca alegria, convívio, amizade e caridade. Que felicidade (e que graça!) encontrar uma verdadeira Igreja naqueles que estão próximos!

Para mim, chegar a Santiago de Compostela não foi uma emoção, uma conclusão, um sentimento de desafio alcançado ou uma promessa cumprida, nem sequer uma resposta obtida. Pelo contrário, para mim, fazer caminho é chegar ao fim do caminho físico e estar consciente do muito que ainda se tem para caminhar. Ou se calhar não: é deixar-se surpreender pelos trilhos e estradas que Deus nos vai apresentando na vida. E ir.

João Marques, Secretariado Diocesano dos Convívios Fraternos de Setúbal

 

Notas:

O Ano Jacobeu (Ano Santo Xacobeo) tem como tema “Sai da tua terra! O Apóstolo espera por ti” e começou com a abertura da Porta Santa da Catedral Compostelana, a 31 de dezembro de 2020.  A conclusão do jubileu estava prevista para o fim deste ano, mas o Papa autorizou a sua continuação até 2022, por causa da situação provocada pela pandemia de Covid-19, que está a impedir a realização de várias peregrinações.

A Peregrinação Europeia de Jovens (PEJ 2022), decorre no contexto do Xacobeo, o Ano Santo, vai realizar-se de 3 a 7 de agosto de 2022, em Santiago de Compostela. Os símbolos da Jornada Mundial da Juventude, a Cruz Peregrina e o ícone de Nossa Senhora ‘Salus Populi Romani’, vão estar na PEJ 2022 nesses dias.

O ano santo de Compostela, ano jacobeu ou jubilar, é celebrado sempre que o dia 25 de julho,  festa do Apóstolo São Tiago, é num domingo, desde o século XII.

 

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19 de Agosto de 2021